Crítica | CinemaDestaque

Teca e Tuti: Uma Noite na Biblioteca

Ode à leitura

(Teca e Tuti: Uma Noite na Biblioteca , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Diego Doimo, Eduardo Perdido, Tiago Mal
  • Roteiro: Carolina Ziskind, Diego Doimo, Eduardo Perdido, Fernando Miller
  • Duração: 70 minutos

A Sessão Vitrine, que promove sessões de filme brasileiros premiados com ingressos pela metade do preço regular, lançou em 2024 duas animações, Bizarros Peixes das Fossas Abissais, estreia em cinema do cartunista Marão, e Teca e Tuti: Uma Noite na Biblioteca, que chega aos cinemas essa semana. Esse não é o único ponto em comum dos dois filmes, que falam sobre uma realidade fantástica alterada pela chegada do novo, e ainda mais fantástico. E uma cena em particular os une por completo, quando seus protagonistas descobrem um mundo novo mergulhando na escuridão completa – em metáfora e fora dela. Dito isso, Marão segue sua pegada surrealista na hora de compor uma narrativa, e embora nada do que é visto aqui seja exatamente “normal”, a condução de seu roteiro e a ideia que está sendo entregue é tradicional de “contos morais”. 

O filme é dirigido pelo trio Diego Doimo, Eduardo Perdido e Tiago Mal, e se passa em, digamos, “universos paralelos”. Acompanhamos os personagens-título e sua família, que são “hospedados” na casa de uma senhora costureira recebendo a visita de férias de seu neto pequeno. Mas quem são Teca e Tuti? Ela é uma traça, e ele é seu cachorro. Eles vivem juntos aos irmãos de Teca e sua mãe, todos vivendo nos fundos dos materiais de trabalho da dona da casa. O filme então se concentra nesse olhar híbrido, entre a realidade dos pequenos insetos (de alguma forma, predadores) e da família humana, onde um lado é animado e o outro, live-action para a vovó e Zico – e o bibliotecário, que entrará na história. 

Tudo é conduzido com muita delicadeza, mas indo além nesse aspecto. Teca e Tuti: Uma Noite na Biblioteca é um filme adequado para crianças bem pequenas, mas com uma mensagem muito saudável que acontece da maneira mais inusitada possível. Afinal, todos os movimentos são realizados pela reflexão de um traça em relação ao seu modo de vida. O que ela encarava com normalidade será alterado com a sua visão sendo reconstruída para a beleza da, vejam só, leitura. E porque isso é tão fora do comum (ou mais, já que estamos falando de uma traça reflexiva)? Porque a alimentação principal desses insetos é justamente papel, e os livros são fonte inesgotável de alimentos para eles. Logo, tal reflexão é conseguida à base de um questionamento sobre seu próprio lugar no mundo, dela e de sua espécie. 

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Nada é muito introspectivo, mas o suficiente para que o espectador menor do filme acorde para um hábito que vem se transformando (para não dizer literalmente sendo perdido), ao um pouco maior para a importância da família no mundo, seja a tradicional ou a disfuncional, e aos adultos a nostalgia de um tempo onde nada disso era tratado como necessário. Teca e Tuti: Uma Noite na Biblioteca parte de uma ideia curiosa – como costuma acontecer com as animações, onde tudo que não é possível de se ver passa a ter chance de existir – para comunicar-se com o público de forma direta e franca. As cenas onde Teca descobre o que está por trás dos desenhos que ela vẽ nos livros, e a maneira como ela se envolve com o novo mundo, é um retrato cheio de fidelidade não apenas da maravilha que é ler, mas com a força da descoberta desse fantástico mundo da imaginação que são os livros, quase vistos como objetos de ficção científica hoje. 

Feito (a princípio) com a técnica de stop motion, e com um cenário de beleza inquestionável e um cuidado a toda prova, Teca e Tuti: Uma Noite na Biblioteca é uma realização bastante caprichosa de um grupo de rapazes que eu espero que ainda ouçamos falar muito. Não se trata de um filme cujo ritmo, ora mais agitado e ora com uma propensão ao didatismo (e está tudo bem em uma animação infantil sobre o poder da leitura ser didática), atrapalhe a fruição dos eventos. A criança sem o hábito da conexão cinematográfica, que hoje é tão comum, pode até encontrar alguma resistência, mas trata-se de uma obra tão cheia de um colorido vibrante, com cenas tão bem resolvidas graficamente, que creio que os pequenos terão ainda mais entrega a obra que os adultos. 

Com um verdadeiro equilíbrio entre o que precisa contar para construir sua narrativa e o que apenas deseja contar para ampliar o que é inspirador, Teca e Tuti: Uma Noite na Biblioteca ainda ousa quebrar o lugar que apresenta para descobrir uma nova camada afetiva. O que vemos é um plot com um profundo carinho pela leitura, pelos nossos herois das páginas – em principal, a Alice de Lewis Carrol – pela ousadia de ainda se aventurar por um mundo de sonhos todo redigido, onde nosso campo imaginário só tende a expandir. Que um grupo de artistas use um filme para realizar um tratado sobre a perda de interesse pela leitura e em como não se trata apenas de ser algo importante, mas vital, é daqueles momentos onde vale a pena acompanhar alguém. 

Um grande momento
A chegada ao outro mundo

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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