Crítica | Outras metragens

The Grievance

A invasão das máquinas

(The Grievance, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Richie Keen
  • Roteiro: Andy Gordon, Carol Leifer
  • Elenco: Rosie O'Donnell, Kevin Pollak, Adhir Kalyan
  • Duração: 8 minutos

Na área de recursos humanos, para resolver uma questão de compliance, um roteirista de séries de comédia chega sem saber o que está acontecendo. Lá se depara com a responsável e a máquina de inteligência artificial com a qual foi obrigado a trabalhar de uns tempos para cá. A queixa: o ser tecnológico se sente desrespeitado na sala de criação. Depois da longa greve dos roteiristas em Hollywood, The Grievance inverte papéis e diverte com o inusitado da situação. O texto afiado de Carol Leifer e Andy Gordon – que separadamente assinam episódios de séries como Seinfeld, MADtv, B Positive, Mad About You e The Big Bag Theory – consegue fazer um compilado bem-humorado de pensamentos e sentimentos sobre a invasão de IA na criação.

Em cena, ninguém menos do que duas feras, Rosie O’Donnell e Kevin Pollak, que, em pouco tempo e com um trabalho muito preciso, se divertem com aquilo que estão fazendo. Ao lado deles está o engraçado Adhir Kalyan como uma espécie de versão humanizada das máquinas interativas da atualidade. Ponto aqui para a construção de sua figura, seja na postura sempre rígida e nada humana, ou no visual, com duas bolachas em forma de Alexa na orelha. A química do trio é boa e a união de timings funciona, elevando a troca de piadas, sempre rápida. Ao mesmo tempo em que é impossível não concordar com tudo o que Buzz, o roteirista, diz, ri-se do robô Miloff  – e com ele – por sua inadequação e sua insistência infantil em contradizer os fatos.

Louise, a responsável pelo RH, é como o espelho do espectador naquele jogo, ainda que tenha uma função na trama. Após apresentar a reclamação (essa é a tradução do título do filme), ela funciona como uma mediadora e se diverte assim como quem assiste a The Grievance. E é bom estar ali naquela sala vendo o absurdo se estabelecer, as tentativas de reproduzir sotaques, o “conhecimento cômico” pelo número de séries na nuvem ou a reprodução do roteiro de episódios tidos como clássicos. “Maybe the Dingo ate your Baby”. Melhor ainda, e talvez com mais ênfase para os que exercem a função, é ver cada uma das tiradas de Buzz, cheias de trocadilhos, referências e experiências que uma máquina jamais será capaz de compreender.

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O diretor Richie Keen sabe que é nas palavras e nas atuações que está a força de seu filme e faz questão de dar o espaço que elas precisam. Ao optar por um único cenário e pela simplicidade, com uma construção cênica que remete justamente ao produto final daqueles que ali interagem, e que é tão conhecido do público, evidencia o que precisa ser destacado. O difícil é se despedir da trama, pelo envolvimento que ela causa pela familiaridade, seja do humor, seja da forma. Tendo até gancho, a vontade é de ver mais pelo menos outros dois curtas que se passem naquela mesma sala, com interações que poderiam variar entre essas e outras pessoas.

No melhor estilo “humor serve para falar de coisa séria”, The Grievance chega em um momento de crise, quando tudo está se encaminhando para a desumanização e uma maior precarização dessa que é uma das principais profissões da indústria no que se refere à criatividade. Leve e divertido, faz rir e deixa a sua mensagem.

Um grande momento
Shallow HAL

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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