- Gênero: Horror, Comédia
- Direção: Cintia Domit Bittar
- Roteiro: Cintia Domit Bittar, Fernanda de Capua
- Elenco: Bruna Linzmeyer, Maria Galant, Juiana Lourenção, Sarah Motta, Brisa Marques, Gabriel Godoy
- Duração: 84 minutos
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A estreia de um cineasta brasileiro sempre merecerá aplausos. A estreia de Cintia Domit Bittar, curta-metragista premiada, com uma produção ambiciosamente estranha como Virtuosas mostra que nosso cinema precisa de curvas acentuadas, ainda que já os tenha aqui e ali. Porque nunca serão demais, e porque é preciso sim a tentativa de um equilíbrio diante do que é normativo, e que é a maioria produção da imensa parte de cinematografias. Olhar para esse filme e compreender que suas atitudes são tortas e que seu desenvolvimento é bizarro, aumentam o meu particular interesse e prazer em tê-lo vivo. A vibração de Bittar é tão contagiante, que dificilmente o espectador reage com indiferença ao que está acontecendo em cena; essa era a intenção real.
À primeira vista, Virtuosas poderia comungar de outras vertentes fílmicas que o nosso cinema tem utilizado com cada vez menos raridade, uma espécie de ‘horror gospel feminista’, que vez por outra tem dado as caras no circuito. Mas a religião aqui não poderia ser mais pano de fundo, e o tratamento do filme não tenta ridicularizar um movimento, mas sim enxergar as minúcias humanas dentro de um grupo aparente de estereótipos. Encerrado em cenário único quase por toda a duração, a sensação de uma liberdade claustrofóbica é disseminada ao longo da narrativa, e muito rapidamente sobra na frente da tela “apenas” o feminino – ainda que exista uma interrupção a isso em determinado momento. Ela vem para jogar luz nas escolhas, com uma participação que demonstra a inferioridade intelectual e emocional masculina, sem parecer artificial.
Bittar opta por uma sacada de inteligência inegável. Virtuosas tem uma paleta de cores que varia entre o neutro e o branco, nada muito extravagante está na tela, soando como a propaganda que abre o filme; sem vida, apenas um simulacro de vida, e do qual não recebemos as intenções. Vivida por Bruna Linzmeyer, Virginia Heinzel é uma empreendedora do bem estar feminino, onde mulheres que se dizem bem aventuradas procuram uma versão melhor de si, é o que promete o marketing. Trata-se na verdade de um processo de perda de identidade coletiva, no qual os valores individuais são progressivamente deixados de lado, para que se assuma uma postura mais dependente de suas associadas.
Estamos diante de uma provocação do mundo moderno, onde não é estranho que a expressão ‘bela, recatada e do lar’ tenha inspirado a revelar uma persona macabra de mulheres vistas como adeptas da direita extrema do país. Não à toa, Virtuosas elege uma de suas personagens como representante da ala diretamente, a esposa de um jovem candidato a senador que acabou de dar à luz; nada é por acaso. A visão de Bittar sobre essas figuras não é dotada de julgamento, embora exista uma estranha no ninho entre elas, onde nem essa personagem, Germina, realiza essa tarefa. O campo de batalha do filme – um retiro entre jovens mulheres que serão preparadas para alcançar sua melhor versão, essa é a promessa do programa – é uma retrato de figuras plácidas conhecidas da vizinhança, e que estão na narrativa para uma espécie de evolução, mas o filme revela a essência contrária.
O acerto desse tom bege que é ocupado pela produção, como um todo (no tom e na tradução da cor para a imagem, digamos assim), se torna evidente quando o filme o abandona, e revela então sua nova tonalidade. Com a chegada do pavor que corre pelas frestas, Virtuosas abandona sua força domada, e avança na direção do espectador como um lince. Antes do que possamos imaginar, a personagem vivida por Juliana Lourenção se vê possuída pelas rachaduras que sua estrutura começa a ganhar. A partir dessa interpretação, e do caminho que o filme ganha através dela, Bittar renova nossas impressões em relação à sua obra, recriando os códigos para que o horror social ganhe forma – e essa nova configuração é apresentada a partir da sequência da filmagem, onde a atriz compreende todas as nuances necessárias para o momento.
Nosso olhar, então, passa a seguir a esposa do deputado Canollo, que se despe de qualquer vaidade de performance, criando à margem um parque para as estripulias de seu corpo cênico. Ela é a dona de toda a reta final e clímax da produção, que, em crescendo, ultrapassa os limites do aceitável. É esse desenlace da produção, que garante a Virtuosas uma chuva de bênçãos; antes disso, o roteiro tinha criado algumas estratégias facilmente detectáveis, como a espiã infiltrada no grupo e os seus interesses reais dentro desse contexto. Ao final do caos instaurado, fica a impressão que assistimos a um alerta gráfico de coragem e anarquia entre figuras dominadas – não mais, a partir do abraço ao horror.
Um grande momento
A sessão de filmagem


