- Gênero: Documentário
- Direção: Quentin Delaroche, Victória Álvares
- Roteiro: Quentin Delaroche, Victoria Álvares
- Duração: 101 minutos
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Meu primeiro contato com o cinema em dupla de Quentin Delaroche e Victória Álvares aconteceu quando me deparei com Bloqueio, filme de 2018. Um trabalho documental tão literalmente urgente como aquele, apenas a ida para as ruas durante o bloqueio das estradas pelos caminhoneiros um ano antes, era além da ideia incrível de ir até o local da imagem no momento em que ela era produzida. Era encontrar a humanidade entre as imagens, e torná-las consequências do Homem, e não do Cinema; o que suas lentes fizeram foi descobrir o que já estava lá, as histórias que já estavam lá, as consequências que já estavam lá. Tijolo por Tijolo é o novo encontro dos cineastas, que mostra uma nova forma de descobrir pessoas e imagens, de maneira menos coletiva e urgente.
Na verdade, aqui temos o contraponto ao que vimos lá, uma cinema de espera, de contato gradual e de descobertas diárias, tanto com os acontecimentos da câmera ligada quanto os que ficam fora do plano, na expectativa do real. A urgência de Tijolo por Tijolo é de outra ordem, mais efêmera, porque seu fenômeno é fruto da atualidade, do mundo complexo de hoje que está prometendo mais do que 15 minutos de fama a todos. Ainda que ‘1984’ de George Orwell tenha antecipado o debruçamento sobre a vigilância comum, o que não se previu era que em algum momento esse estado fosse procurado por alguns, desejado dessa forma para a construção padronizada de todos.
Delaroche e Álvares seguem uma família humilde da periferia de Recife, que perdeu a própria casa por risco de desabamento. O que acompanhamos no desenrolar de Tijolo por Tijolo é a nova gravidez de Cris, que espera seu quarto filho, enquanto tenta construir uma nova casa e tornar-se uma influenciadora digital. Da mistura desses elementos, que se amalgamam para criar um novo olhar de conexão entre situações a princípio díspares, surge um filme que, embora não tenha o impacto de sua colaboração anterior, alcança aqui um diálogo com a contemporaneidade de maneira mais imediata. Ao mesmo tempo, questiona a validade do imediato na hora de promover a criação de audiovisual.
Como mostraram em Tiradentes, filmes como Um Minuto é uma Eternidade para quem Está Sofrendo e Kickflip, o modelo de produção cinematográfica agora é comum. Ele não pode ser resumido ao que está nos lugares de validação semiótica mas também estão nos dispositivos eletrônicos, nascendo todos os dias, para um espectador que está optando por essa linguagem. Como desqualificar o que um recorte apresenta e outro não, se a tentativa de comunicação, provocar debate e encontrar imagens que reverberem entre a diversão e a reflexão, são paralelas? Tijolo por Tijolo é um contorno na produção dessas imagens, justamente porque estamos diante de um moderno dispositivo metalinguístico; o filme está mais uma vez dentro do filme.
Para descobrir a natureza desse filme, que olha essa nova produção que precisa ser chamada de cinema, é necessário ir além do que é sua primeira camada, e explorar o que tem de voyeurístico na criação dessas imagens, ressignificando o próprio trabalho. Tijolo por Tijolo aponta para a descoberta de diretrizes que ainda não foram admitidas no cânone, mas que por enquanto podem ser absorvidas de outra forma. Por isso, a pergunta: por quanto tempo esse filme falará com o futuro? Com uma urgência peculiar, estamos diante de um modelo que pode desintegrar-se ou ser a próxima revolução – filmar o cinema sendo feito. Não tem a ver com dispositivos já absorvidos pela ficção, mas sim uma nova ascensão do ‘cinema verité’.