- Gênero: Musical
- Direção: Jonathan Butterell
- Roteiro: Tom MacRae
- Elenco: Max Harwood, Lauren Patel, Sarah Lancashire, Shobna Gulati, Richard E. Grant, Sharon Horgan, Samuel Bottomley, Ralph Ineson, Adeel Akhtar, Kacie Doocey, Saskia Davis, Ellis Brownhill
- Duração: 115 minutos
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Eu já tive vizinhos que sentiram vergonha de mim. Eu já tive uma professora que me humilhou na frente de toda a turma. Eu já tive garotos que me perseguiram na escola. Eu já tive uma melhor amiga que me amava do jeito que eu era. Eu já fui zombado na rua. Xingado, brutalizado, eu já apanhei por ser quem eu era. Eu vivi muito do que Jamie viveu, e muitos já passaram por pesadelos ainda piores do que eu e Jamie na busca de encontrar nosso verdadeiro “eu”. Todos Estão Falando sobre Jamie, musical que estreia hoje no Amazon Prime Video, é sobre descobrir a própria essência e ser fiel a ela, sem precisar mascarar-se ou criar um personagem protetor. É sobre amar, a si mesmo antes de tudo.
Ou seja, nada do que o filme dirigido por Jonathan Butterell está contando é novo, na vida ou no cinema. Jamie inclusive é um personagem real, cuja vida inspirou o musical que deu origem ao longa; portanto, essa auto preservação, esse orgulho de descobrir a própria origem interior, apesar de inspiradora, é mais uma história que já vimos ser contada antes, inclusive para o universo LGBTQIA+. O que faz dessa estreia especial é a sensibilidade para observar não apenas essa, mas todas as outras colocações a respeito do tradicional coming of age, que ao contrário do que o cinema costuma vender, é doloroso para todos.
Sem querer naturalizar ou diminuir a história de seu protagonista, o filme caminha para torná-lo empático a partir do momento em que todos se reconhecem enquanto pessoas que não se aceitam, não se permitem, e sofrem por cultivar uma imagem estereotipada a respeito de si mesmos. Jamie é constantemente perseguido por Dean, um garoto que também ele tinha motivos para se sentir excluído. O filme amplia o ponto de vista e seu escopo transcende quando o próprio protagonista, em um ataque de fúria, agride a mãe que só batalhou por ele – ou seja, os agredidos também se tornam agressores, se não cuidar da própria integridade emocional.
Quando essa cena acontece, e Sarah Lancashire tem seu momento de brilho no filme, toda a ressignificação a respeito de agressões verbais e emocionais são transformadas tematicamente, e o leque de reflexão do filme sai da exclusividade do movimento queer, que sobrevive muitas vezes de auto depreciação e mutilação psicológica. Todos Estão Falando sobre Jamie têm a coragem de olhar para o bullying de maneira ainda pouco dramatizada, ao tornar inversa a ação, e mostrar como a destruição causada por um perseguição homofóbica pode ter estrago ainda mais profundo do que a infindável lista já sabida de estragos.
Cinematograficamente, a singeleza da produção a situa num escopo musical de extravagância e beleza como costuma ser ao gênero, mas propositalmente nada soa carregado demais ou espalhafatoso em demasia, o que não soa como censura interna. É um filme sobre a descoberta de um mundo novo, e não sobre uma figura já estabelecida na “cena”. É também uma história sobre passar o bastão não apenas para as novas gerações (como tão delicadamente faz Richard E. Grant), mas para quem entendemos que precisa dar um passo maior do que parece capaz; é sobre “só será bom para um quando for bom para todos, ou não será bom para ninguém”, em cena final emocionante.
Ainda que muitas motivações não sejam esmiuçadas a contento, e com isso certos personagens pareçam vagar pela narrativa (a amiga da mãe de Jamie, Ray, por exemplo, e a intransigência radical e sem parâmetros da professora), Todos Estão Falando Sobre Jamie é tão necessário para tantos que se sentem excluídos, socialmente marginalizados, que o desejo é só que o filme alcance, revele e transforme a vida de tanta gente que ainda é tolhida pelo seu redor. Ah, e acima de tudo, Todos Estão Falando Sobre Jamie é um musical com excelentes canções, números lindos (“Don’t Even Know It” é arrepiante, “Spotlight” é uma graça, “He’s my Boy” é a cena mais pesada do filme, de rasgar a pele) e um presente para quem, em um ano recheado de musicais, ainda não tinha encontrado um exemplar acima da média.
Um grande momento
“This was me”