Crítica | Festival

De Volta à Itália

O fora da tela que não convence dentro dela

(Made in Italy, GBR, ITA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: James D'Arcy
  • Roteiro: James D'Arcy
  • Elenco: Micheál Richardson, Liam Neeson, Valeria Bilello, Lindsay Duncan, Yolanda Kettle, Souad Faress, Claire Dyson
  • Duração: 94 minutos

O cinema é uma terra fértil para relações quebradas. Dos divãs de psicanálise às telas, um sem número de complicadas relações paternas de várias configurações foram retratadas (Peixe Grande, lembrei de você). Falta de conexão, decepção, frustração, vazio, necessidade de validação e superação de expectativas são sentimentos comuns  nas obras e na vida. Em De Volta à Itália, são Jack e Robert que os personalizam. Vividos por Liam Neeson e Micheál Richardson, pai e filho na vida real, o filme sente o peso do desconforto da familiaridade, além do desequilíbrio interpretativo entre eles, com o rapaz esforçando-se muito, mas sem sucesso, e o veterano bastante travado. 

Dirigido e escrito pelo ator inglês James D’Arcy, que atuou em Dunkirk e Hitchcock, De Volta à Itália ou Feito na Itália, no original, até engana a gente por alguns segundos na abertura elegante, com uma externa noturna nas ruas de Londres, mas isso dura até o primeiro diálogo. O filme vai construindo um caminho forçado, bastante artificial, para unir pai e filho em torno da arte, já que o primeiro é um pintor e o segundo administra a galeria da ex-esposa e agora está disposto a comprar o espaço depois da separação, mas, sem dinheiro, precisa vender uma antiga propriedade da família, na Toscana, Itália.

De Volta à Itália
IFC Films

O lugar é belíssimo e D’Arcy e seu diretor de fotografia, Mike Eley, de A Escavação, sabem se aproveitar disso, mas há uma máxima no cinema que diz que, quando se começa a prestar muita atenção apenas na beleza estética de um filme, quando ela se torna o principal atrativo, é porque o que se apresenta no resto deixou muito a desejar. E é bem por aí. O conflito do longa nunca chega a convencer realmente, nem a relação entre pai e filho que vivem um luto complexo com a perda da esposa e da mãe e uma relação que nunca realmente chegou a se estabelecer por conta dessa ausência; nem a revitalização da casa em frangalhos para a possível venda, com a chegada de personagens interessantes que poderiam ser muito melhor aproveitados.

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De Volta à Itália vai se empolgando com adendos que se perdem na execução. É o caso da entrada em cena de Natalia, vivida por Valeria Bilello, uma personagem que poderia ter a sua história melhor desenvolvida, mas na realidade funciona apenas como aquela que faz com que a trama se explique, trazendo o motivo do conflito entre Jack e Robert, o entendimento da relação do protagonista com o local e a sua grande mudança. A relação do roteiro com as mulheres, aliás, é toda confusa. Kate, a corretora, é uma mulher dura e tem sua motivação na decepção com o marido e na não-maternidade, e a ex-esposa é desenhada como uma mulher fria, que, pior, ainda chega a ser taxada como uma das responsáveis pelo trauma.

Com belas paisagens, homenagem ao cinema e aquele simpático tom italiano que pega emprestado para descrever a comunidade da cidade e os que vão conviver com Jack e Robert, De Volta à Itália tenta criar o vínculo que o drama não conseguiu, mas não há muita alternativa para que um melodrama funcione se o principal não tem apelo. E por mais que Neeson e Richardson se esforcem, mesmo que algo verdadeiro e extratela exista entre eles — inclusive numa história que pode lembrar a tragédia da vida real — o que se vê é frio e falso. Mesmo a cena de maior apelo é distante e nada envolvente, com uma desculpa aleatória para ocorrer e uma atuação que deixa muito a desejar.

Um grande momento
A vista

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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