Crítica | Outras metragens

Chão de Fábrica

Muitos cinemas em tão pouco tempo 

(Chão de Fábrica, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Nina Kopko
  • Roteiro: Nina Kopko, Tainá Muhringer
  • Elenco: Alice Marcone, Helena Albergaria, Carol Duarte, Joana Castro
  • Duração: 24 minutos

‘Chão de Fábrica’ nasce das tensões políticas do nosso tempo mais imediato, esse que se ressente de um governo menos genocida, de políticas públicas que sejam alcançadas através de uma luta honesta e possível, de um olhar humanista que reconheça no outro os significados possíveis para que uma revolução seja possível em um intervalo. Estamos falando da revolução mais efetiva, aquela fomentada dentro de nós mesmos, que reverbera por anos a fio em uma torrente de eventos, mas que nasceu algum dia, ainda que em uma breve reconhecida do terreno ao redor. 
A partir de quatro corpos distintos, Nina Kopko estreia na direção depois de uma infinidade de experiências por buscas femininas em diferentes estágios de bem sucedidos em suas verdades (‘A Vida Invisível’ e ‘Céu de Agosto’, mais recentes). Aqui, esses corpos tão dispostos ao embate crescem através do olhar de sua autora, que sabe como explorar a voz que emana de cada um deles. São quatro mulheres em cena em um jogo de cena volante delas mesmas, passando com precisão uma bola que não cansa de procurar por elas, ansioso por ouvi-las.

Situado para conectar-se com o hoje a partir de um passado recente, o filme tem uma tessitura de imagens a evocar o arcaico, no recorte de seu formato, na granulação de seus planos e no naturalismo que parece evocar o palco que Gianfrancesco Guarnieri montou para tratar do mercado de trabalho a partir do trabalho braçal de fábrica. Com toda a estética aludindo a criação de uma historicidade do artifício, o filme sai do que poderia ser uma armadilha para atualizar esse olhar, detalhando um raro espaço feminino às mulheres em campo que Carlos Reichenbach tratou de criar no audiovisual para suas personagens.

Se há espaço para a experimentação imagética, sua contrapartida naturalista é que organiza as ideias dentro de um espaço exíguo de filmagem, mas repleto de possibilidades criativas e memoriais para nos situarmos em um universo que só temos acesso através da fábula. ‘Chão de Fábrica’ se entende enquanto peça de cinema, e o realiza da maneira mais primordial possível – ao estender até as personagens o próprio jogo da memória com o qual o espectador também brica, Kopko cria em sua obra um espaço para a fabulação em três tempos, do presente, do futuro e da imaginação.

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Filmando os detalhes de cada uma em cena sem pedir licença, quase como uma intrusa que revela os segredos de cada uma em cena, Kopko contextualiza sua obra em um tempo descolado da contemporaneidade mas sem deixar de arrastar cada uma para um espaço-tempo onde cada uma daquelas mulheres tem renovação de capacidades e vivências, ao passo que fixou ali nossa relação com elas. É uma proposição social em relação a como o feminino é visto em mercado de trabalho que não as valoriza, é cinema político em sua essência mais vibrante e tão pouco rememorada, mas acima de tudo é bicho cinematográfico de mais colorida espécie, que seduz enquanto se propõe a ouvir cada uma de suas fascinantes Sherazades.

Um grande momento
‘meu sonho é ser radialista’

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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