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Amor Sublime Amor

Homenagem de fã e recado político

(West Side Story, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Musical
  • Direção: Steven Spielberg
  • Roteiro: Tony Kushner, Arthur Laurents
  • Elenco: Ansel Elgort, Rachel Zegler, Ariana DeBose, David Alvarez, Rita Moreno, Brian d'Arcy James, Corey Stoll, Mike Faist, Josh Andrés Rivera
  • Duração: 156 minutos

Demorou até que Steven Spielberg conseguisse realizar o seu projeto de fã de levar às telas sua versão de Amor Sublime Amor, filme de 1961 dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins, com as inesquecíveis músicas de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim. O longa, estrelado por Natalie Wood e Richard Beymer, era uma adaptação do premiado sucesso da Broadway encenado pelo próprio Robbins, peça que marcara a história dos musicais por misturar romance e crítica social, ao tratar de conflitos raciais, étnicos e xenofobia. A história era uma velha conhecida de todos, “Romeu e Julieta”, de Shakespeare.

Sem Capuletos e Montéquios, em Amor Sublime Amor, a rivalidade está entre os Jets e os Sharks, duas gangues que disputam o espaço em Upper West Side. De um lado os caucasianos, de outro os porto-riquenhos. Com a mesma estrutura dramática da peça do bardo, o musical e o filme fazem esses universos se chocarem com o encontro de Tony e Maria, as reconfigurações dos jovens trágicos amantes de Verona.

Amor Sublime Amor
The Walt Disney Studios

Spielberg mantém bastante coisa do original. Seu Amor Sublime Amor ainda se passa nos anos de 1950, mas ele não deixa de fazer contextualizações necessárias e nem reparar erros que a versão original cometera, como a escalação de uma atriz branca para viver a protagonista. Agora com Rachel Zegler, de descendência colombiana, no papel de Maria, e Ansel Elgort como Tony; um elenco repleto de atores latinos; além de dar uma nova personalidade a Doc, transformando-o em Valentina, papel de Rita Moreno (que vivera Rita em 1961), eles reconta a história dando a ela a diversidade e representatividade antes inexistentes. 

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No filme, logo nos primeiros momentos, já se percebem os traços da autoria. O diretor é um amante das imagens e sabe como trabalhar com elas. Por trás da história do amor como salvação, há na verdade uma juventude excluída, sem emprego ou limitada a subempregos, há uma microssociedade à margem. Isso dado, há também espelhamento, do macro que oprime e exclui, pelo oprimido e excluído nos outros. Spielberg sempre amou West Side Story e sempre sonhou em levá-lo às telas, mas após essa onda trumprista e supremacista branca seu projeto ganhou outra dimensão.

Amor Sublime Amor
The Walt Disney Studios

A mensagem estava no original, mas o filme atual chama a atenção para pontos que estão cristalizados na sociedade estadunidense – e não só lá – que justificam barbáries e hoje viram elemento de manipulação, usando o ódio como ferramenta. Daí saem coisas como “eles roubam nossos trabalhos”, “voltem para casa”, “vamos construir um muro”, “vamos fazer a América grande de novo”. E tudo é muito violento em atos e palavras, e frenético, como muitos dos números musicais, grande parte deles em forma de batalhas, se não apenas entre os dois pólos do filme, mas entre personagens dos mesmos núcleos, como as canções “America” e “Cool”.

Ainda há a contraposição que vem lá de Shakespeare e sua mensagem radical, que defende o tolo e sublime amor juvenil de Maria e Tony como a única solução, maior do que tudo e capaz de superar todas as coisas. Num mundo tão contaminado, é difícil entender e alcançar tal mensagem, mas Spielberg, com sua noção de tempo, e de novo com Janusz Kaminski ao seu lado, com seus ângulos e iluminação, faz com que tudo funcione

Amor Sublime Amor
The Walt Disney Studios

Se em suas obras originais Spielberg é aquele que gosta de pegar a audiência pela mão e levar às lágrimas, aqui ele abandona a marca registrada e assume o papel de conduzido por algo que um dia o arrebatou. É com um corte que ele termina Amor Sublime Amor. Assim, sem deixar de demarcar o lugar de fã, deixa sua mensagem política e reforça os ideais defendidos pelo bardo de que o amor é o único caminho.

Um grande momento
O baile

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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