Crítica | Streaming e VoD

Toscana

Sem os cheiros e os paladares

(Toscana, DEN, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Mehdi Avaz
  • Roteiro: Mehdi Avaz, Nikolaj Scherfig
  • Elenco: Anders Matthesen, Cristiana Dell'Anna, Andrea Bosca, Ghita Nørby, Laerke Winther, Ari Alexander, Christopher, Christoffer Jindyl, Karoline Brygmann, Pino Ammendola
  • Duração: 90 minutos

Nem todas as pessoas são o que pintam, ou nem todas têm a imagem que fazemos delas, aos nossos olhos. Assim como os lugares, que podem ser vistos de uma forma negligente à primeira vista, mas talvez guardem um aroma especial se tratado com atenção. Toscana, estreia de hoje da Netflix, tem sentimentos simples e honestos sendo debatidos, e os realiza com essa mesma simplicidade e honestidade. Não há muita restrição ao que é feito aqui, assim como os níveis de novidade passam ao largo da produção. Mas o que importa, longe da superfície, é o cuidado com que cada elemento é colocado à mesa, como um belo prato preparado por um grande chef de cozinha.

O diretor e roteirista Mehdi Avaz é iraniano, e rodou aqui um longa dinamarquês com fortes pinceladas italianas; parece ter usufruído do melhor de três mundos. A postura impávida da Dinamarca em sua certeza e precisão já seriam o suficiente para criar os tons contrastantes com a leveza e a delicadeza que só a mais profunda Itália podem representar, mas o diretor também carrega em si o toque do Irã no que de melhor pode nascer da fusão entre essas culturas. É como se, de nascimento, Avaz já compreendesse que o caminho das pedras é encontrar o equilíbrio entre essas características, e as imprimisse em sua produção, sem soar artificial ou gasto.

Toscana
Joachim Ladefoged/Netflix

Ainda que nada do que é dito ou mostrado em Toscana prime pela originalidade, é consciente que se fazem tais escolhas, e a diferenciação em cena passa a não ser exclusivamente a respeito dos ingredientes utilizados na preparação, mas da qualidade e da sinceridade com que tais elementos se alinham. Ainda que explore a dualidade e do encontro entre a sofisticação e do bem que a despretensão pode alcançar, o filme também aposta nesta clássica história sobre mundos que colidem e precisam aprender mutuamente, de parte a parte. Seria ainda mais prazeroso se a conclusão seguisse seu curso natural a manter a ordem previamente destinada , mas estamos falando de uma produção que procura seu público, e não de um que afastaria a maioria dos espectadores.

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Para isso é sempre melhor manter as coisas como estão, em campo neutro, e neutralizar as possíveis agudezas narrativas com toques de verdade cênica. Isso é conseguido por uma dupla de protagonistas interessada em destronar estereótipos com seu trabalho repleto de carisma e singeleza. O trabalho de Anders Matthesen é refinado e metódico, calcado em descobertas emocionais expressas no olhar, no gesto contido, na compreensão das micro atitudes, ainda que saiba explodir, se preciso. Cristiana Dell’Anna alcança um contraponto cheio de nuances, porque o espectador necessita compreender o que atrai aqueles seres, ao mesmo tempo em que provocar a independência de suas personalidades; ela carrega de energia e expressividade uma Sophia que, no fundo, é absolutamente igual a Theo.

Toscana
Joachim Ladefoged/Netflix

É verdade que Toscana, um filme que em tese abrigaria a leitura de texturas, através da culinária e dos pontos específicos onde são ambientados, não o faz efetivamente. Já perdemos a conta de quantos filmes foram produzidos sobre a arte de cozinhar ou sobre o contraste entre diferentes culturas, e o mínimo que esperamos a respeito dessas produções é que haja um encantamento estético, já que aromas e paladares ainda não são possíveis em tela. Por conta dessa falta de critério no que seria óbvio esperar, e deixar essas opções tão básicas naufragar na intenção, Avaz deixa claro sua intenção pela narrativa. Porém, se o roteirista pareceu estar atento, o diretor não cumpriu seu papel na totalidade; como compreender a paixão dos personagens pelo que os move, se o filme não apresenta os dados dessa motivação?

É em um momento como esse que o elenco parece tão mais compreensivo do que realizar em cena, do que exatamente seu criador. A despeito de ter apresentado suas armas de maneira promissora, Avaz erra nas bases de seu longa. Ao mesmo tempo, Toscana consegue sim ser um produto da Netflix que sabe suas limitações, e tem consciência de que a tipo de público atende. Matthesen e Dell’Anna conseguem acessar o espectador com muito mais eficiência que quem os comanda, criando uma contradição. Fiquemos no empate então.

Um grande momento
O último diálogo entre mãe e filho

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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