Crítica | Streaming e VoD

Tudo de Novo, Mais uma Vez

'Déjà vu' do bem

(One More Time, SUE, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: Jonatan Etzler
  • Roteiro: Sofie Forsman, Tove Forsman, Mikael Ljung
  • Elenco: Hedda Stiernstedt, Miriam Ingrid, Elinor Silfversparre, Maxwell Cunningham, Per Fritzell, Vanna Rosenberg, Tove Edfeldt, Tindra Källström
  • Duração: 82 minutos

Ok, a Netflix está passando de todos os limites com os filmes sobre lapsos temporais. Quem consegue pará-los? Até quando vai essa obsessão pelos filmes onde as pessoas acordam todos os dias no mesmo dia? Essa fórmula não vai cansar nunca, e o público continuará engolindo essa premissa, uma vez a cada seis meses? É isso, já reclamei tudo que podia, mas Tudo de Novo, Mais uma Vez está aí, na lista de mais assistidos deles, e a verdade é que eles acrescentaram outro ingrediente na fórmula, também muito usado, mas com menor frequência – o filme da volta no tempo, aquele que existe desde Quero ser Grande, mas cuja referência para as gerações mais novas é De Repente 30. E a verdade é que a mistura entre as duas ideias, ao menos aqui, rendeu diversão acima da média. 

A produção sueca dirigida por Jonatan Etzler é um acerto principalmente porque sabe dar respostas convincentes às suas questões, porque consegue manobrar bem esse clichê que o streaming parece ter redescoberto, e porque consegue uma comunicação direta com algumas ausências sociais de hoje. Saber pedir perdão, saber aceitar o auto perdão, aprender a lidar com os erros cometidos, não se sobrecarregar com o peso do mundo, mas também compreender quando muito desse peso tiver sido outorgado por nós mesmos. Parece auto ajuda, mas essas ideias estão em entrelinhas não-verbalizadas do filme, que não pretende doutrinar ninguém a respeito de nada; a diversão é o mais importante em Tudo de Novo, Mais uma Vez.

Tudo de Novo, Mais uma Vez
Robert Eldrim / Netflix

Mesmo sem querer mandar mensagem, subliminar ou não, o filme acaba por fazê-lo a quem se interessar por ler além das palavras. Amelia faz o contrário da personagem de Jennifer Garner: depois de um atropelamento, ela volta a ter 18 anos – mais precisamente, ao dia de seu aniversário, repetidas vezes. Aos poucos, o óbvio é constatado, ela precisa ser alguém melhor para tentar escapar da armadilha que lhe pregou o destino. Mas o que é ser bom? Bom pra quem? Enquanto tenta fugir de algo inescapável, a personagem (e o filme) fazem algo que esses outros títulos de lapso temporal não fazem, que é reconhecer as referências que compõem a narrativa. E lá vai Amelia assistir a um filme que nunca tinha visto, um tal de Feitiço do Tempo. É uma maneira carinhosa do filme mostrar que sabe de onde veio e para onde vai.

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Com uma duração talvez reduzida demais para o tanto que tinha vontade de abordar, Tudo de Novo, Mais uma Vez é tão veloz em sua edição, tão cheio de estímulo para criar suas possibilidades, que por vezes parece mais atropelado do que deveria. Esse tipo de roteiro precisa suscitar no espectador uma espécie de cansaço que já está impresso dentro de seu universo, através do protagonista. E o filme, na ânsia de dinamizar a brincadeira, acaba por podar suas frequências, quase como se soubesse que o espectador já tem noção do sumo da brincadeira, através de todas as outras vezes que já acompanhou algo da linha. Mas essa decisão acaba nos prejudicando na conexão com seu roteiro e com a profusão de sentimentos que precisam ser descobertos numa viagem do tempo para 22 anos atrás.

Tudo de Novo, Mais uma Vez
Robert Eldrim / Netflix

O que fica de mais importante no que está sendo dito é algo que soa plausível para um sueco, mas que um norte-americano encontraria dificuldades de lidar. Sendo um lugar onde nos acostumamos a ver um tratamento positivo sendo dado ao egoísmo e até a um certo grau de auto-centrismo, Tudo de Novo, Mais uma Vez quer combater exatamente isso. O conselho que fica é o quanto o indivíduo, na obsessão de encontrar respostas e tentar vencer por si só, esqueceu que ao seu redor existem semelhantes sendo afetados por essas mesmas decisões. Nada é unitário, quase tudo na vida é coletivo, e quando nos isolamos para decidir o nosso próprio futuro, é quando começamos a nos isolar e criar uma estranha barreira para a empatia. Demora um bocado para Amelia perceber que o bem que ela precisava fazer ao próximo também tinha a ver com deixar de olhar exclusivamente para si mesma. 

O delicado plot que é revelado através da máquina do tempo que as amigas Amelia e Fiona construíram a base de um futuro desconhecido é o ponto de esclarecimento final para o que Tudo de Novo, Mais uma Vez quer contar. O trabalho de Hedda Stiernstedt no protagonismo é de muita singeleza e assertividade, porque precisa convencer como alguém que cresceu somente pra si, enquanto é observada como uma eterna adolescente; essa é outra pitada de qualidade que o filme conserva, a forma como mantém Hedda em cena, mesmo no passado. É um conjunto de fatores que elenco para clarear os motivos pelo qual esse filme que poderia ser mais uma banalidade no meio da caçamba Netflix, acaba por se mostrar uma surpresa com a qual nos importamos. 

Um grande momento
Amelia e Fiona na locadora

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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