- Gênero: Documentário
- Direção: Shaunak Sen
- Roteiro: Shaunak Sen
- Duração: 97 minutos
-
Veja online:
Existe um novo ecossistema, e ele está doente, muito doente. Estamos em Deli, capital da Índia, a cidade mais poluída do mundo, com 11 milhões de habitantes, nevoeiros tóxicos e partículas cancerígenas em níveis absurdos no ar, lixo formando montanhas e espumas cobrindo os rios. Milhares de seres morrem ali por ano em decorrência da poluição, os que sobrevivem foram encontrando um jeito de se adaptar ao ambiente. Nascem e se desenvolvem naquela realidade, seguem respirando esse ar praticamente irrespirável.
Do menor inseto ao ser humano mais dedicado, Tudo o que Respira faz um retrato dessa realidade. O documentário de Shaunak Sen tem como espinha dorsal o trio de irmãos Mohamaad, Salik e Nadeem Shehzad, ex-fisiculturistas juvenis que descobriram seu propósito de vida no salvamento de milhafres, espécie de ave de rapina comum no local e criaram uma espécie de hospital veterinário improvisado no porão de casa onde toda a família mora junta.
Eles estão ali também como uma espécie de guia narrativo, mas também como parte desse sistema que sobrevive. O documentário não tem narração em off, entrevistas, nem a vontade de ser explicativo, e encontra na função dos irmãos um elemento para demonstrar a nocividade da poluição nos animais que chegam até eles, mas também para constatar seu ponto de partida, o da adaptação à cidade. Do mesmo modo, são eles adaptados, a despeito não só da poluição, mas de outras questões discriminatórias, econômicas e de violência tratadas no filme.
Tudo o que Respira trata de relações complexas estabelecidas a partir da presença do homem e de sua interferência na natureza. Agora se interrelacionam animais que surgiram por causa dela e outros que sempre estiveram ali. Há questões de higiene, de religião e de habitat que confluem e se chocam, como mostra a primeira sequência que revela uma infinidade de ratos se alimentando de lixo, numa construção imagética tão impressionante aos sentidos quanto apavorante; as tomadas ocasionais de vacas, animais sagrados na religião hinduísta; ou ainda o céu sempre coalhado de aves sobrevoando os lixões a céu aberto.
A direção de fotografia, assinada por Ben Bernhard, Riju Das e Saumyananda Sahi tem momentos inspirados, em especial nas contraposições de espécies, da menor que seja, pois até os pernilongos são lembrado, e na relação natureza x cidade. O trabalho no hospital improvisado também se destaca pelo pouco espaço e naturalidade com que os documentados se comportam tendo uma câmera filmando seu dia a dia. A passagem da cirurgia interrompida pela falta de luz, por exemplo, é extraordinária.
Não importa o quanto você se importe com um animal, ame-o, você nunca pode dizer que o entende. O homem é o animal mais solitário.
Pensar nesse trabalho dos irmãos é interessante, porque eles agem justamente quando as aves já não conseguem mais superar a agressividade do mal que o humano fez à natureza. Elas sobreviveram até ali, mas chegaram a um limite. Para eles, que já sentem o gosto de carvão quando respiram, é preciso dar mais uma chance, e isso é um propósito que levam muito a sério, que vale arriscar a vida se for preciso.
Sen é afetuoso ao retratar os irmãos e dá tempo para que se conheça suas dificuldades e frustrações, os medos que têm por serem muçulmanos em um país que não aceita sua religião e, embora não se aprofunde no tema, mostra o quanto isso dificulta o trabalho deles. As conquistas dos Shehzad também estão em Tudo o que Respira, trazendo um pouco de alívio diante de uma situação tão desesperançosa quando se olha para o quadro geral. Os que conseguem respirar, ainda respiram, mas por quanto tempo?
Um grande momento
O Resgate nadando