Crítica | Cinema

Belas Promessas

Corpo a corpo

(Les Promesses, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Thomas Kruithof
  • Roteiro: Jean-Baptiste Delafon, Thomas Kruithof
  • Elenco: Isabelle Huppert, Reda Kateb, Naidra Ayadi, Jean-Paul Bordes, Soufiane Gerrab, Laurent Poitrenaux, Hervé Pierre, Walid Afkir, Stefan Crepon, Gauthier Battoue
  • Duração: 93 minutos

A ironia impregnada no título em português do francês Les Promesses é uma sacada que combina com a estrutura original da obra. Não que estejamos diante de uma obra marcada por sarcasmo, mas está nas entrelinhas do programa encontrar conexões que estão ali como a nos lembrar (brasileiros ou franceses) o quão ficcional é nossa realidade política, ou o quão real é a nossa ficção. Um filme tão focado em política que mal conhecemos meros detalhes pessoais de nossos personagens, Belas Promessas estreia hoje nos cinemas com uma protagonista capaz de levar o público a assistir um filme que não costuma atraí-lo. Então se temos um agradecimento a fazer a Isabelle Huppert, é o de levar o espectador a assistir títulos dos quais ele nem passaria perto com outra atriz. 

O diretor Thomas Kruithof constrói uma bela cama para seu elenco deitar, uma estrutura sedutora que engloba um grupo reduzido de personagens, todos intrinsecamente envolvidos com a prática política de maneira direta. Passado em momento-limite, onde muitas decisões estão sendo tomadas em conjunto, o filme parte desse viés político que nunca saiu de moda no cinema francês, vide o recente O Mundo de Ontem. Por ser muito concentrado nesse tema exclusivo, a montagem é das mais interessantes porque converge esses momentos a uma situação cada vez mais afunilada, o que garante ritmo e desenvolvimento narrativo a obra, em sinal de coesão também do roteiro. 

Bela Promessa
Divulgação

Como em grande parte dos jogos palacianos de ontem e de hoje, o que Belas Promessas mostra é que não há nenhum juramento que não possa ser quebrado, nenhuma mentira que não possa ser tratada como verdade. Vem então à tona as jogadas envolvendo ‘fake news’ em qualquer parte da roda, e como até as mais incorruptíveis criaturas, e de onde menos esperamos traição, serão reveladas tramas intrigantes. Nada de muito novo, são situações já vistas muitas vezes antes, mas a condução de ritmo, encadeamento de eventos e um elenco repleto de talentos humildes, em um quadro de brilho coletivo, a produção acaba por crescer naturalmente. Como um efeito dominó, o espectador é seduzido por um grupo de fatores que só fortalecem o todo. 

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A dupla formada por Huppert e Reda Kateb (vencedor do César por Hipócrates, além de Inimigos Íntimos e Mais que Especiais) é precisa no que precisa entregar, sempre concentrados e intensos. Duas performances dentro do que se espera o gênero, sem arroubos ou ausência de humanidade, são cercados por um grupo muito consistente de performances, que valorizam texto e ação. Há um naturalismo que atinge aquele grupo de pessoas, nos lugares por onde eles circulam, que não é um campo conhecido da maior parte do público. Por isso, compreender aqueles espaços de poder a partir das reações que se estabelecem no coletivo, é uma maneira também de abraçar um lugar que nem sempre é facilmente reconhecível. 

Bela Promessa
Divulgação

Se o trabalho de todos é uniformemente acima da média, nos impressiona Kruithof não assegurar que os trabalhos de escrita e atuação fiquem apartados da realização. É a mise-en-scene de Belas Promessas que não avança o que teria a dizer, deixando o material coletivo à deriva. É um filme que até carece de personalidade, não indo para lugar algum; suas intenções não são claras. Não é um filme quente, tampouco é frio, o que na posição de sua narrativa, isso é uma alternativa grave. Estamos diante de um processo político humanitário que não consegue alcançar a força de um Erin Brockovich, o que demonstra a gravidade do quadro geral. Ainda bem que o diretor não faz muita questão da gerência e deixou nas mãos de quem tem interesse, gerar o campo de sedução geral. 

Quando então o foco passa a ser o que os títeres decidem e esquecemos o manipulador, é que Belas Promessas ganha força. Daqueles trabalhos onde um bom texto e um grupo de profissionais interessado no que de melhor eles podem oferecer, e transformam o que vemos. Um painel sobre o quão humanas são figuras que deveriam estar acima de nós, e cuidando de nós, mas que na verdade têm fraquezas e retruques tão sujos quanto todos nós. A beleza de reconhecer no outro a feiura que vemos todos os dias no espelho. 

Um grande momento

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Norman
Norman
05/03/2023 22:13

“Estamos diante de um processo político humanitário” – não é preciso dizer mais nada sobre a maturidade intelectual e a qualidade de expressão desta “crítica” …

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