Crítica | Cinema

Jair Rodrigues: Deixa Que Digam

(Jair Rodrigues: Deixa Que Digam, BRA, 2020)

  • Gênero: Documentário
  • Direção: Rubens Rewald
  • Roteiro: Rubens Rewald
  • Duração: 96 minutos
  • Nota:

No espaço de menos de 10 dias, assisti quatro docs musicais nacionais inéditos, e escrevi sobre os quatro. Isso não é um referencial necessariamente pra mim ou pra esse texto, mas pra nossa cena cinematográfica, que continua investindo nessa seara como forma de validação biográfica muito mais do que como construção imagética atrelada a esses projetos, já que há uma linha estratégica de pensamento para condução dessas obras. Jair Rodrigues: Deixa que Digam, assim como geralmente o são, funciona na chave da homenagem irrestrita, e o Cinema entra em espaços cada vez menores, embora aqui de fato haja cinema.

O diretor Rubens Rewald conheceu Jair ao dirigi-lo em Super Nada, e desde então se tornou interessado em contar sua história, inclusive discutindo-a com o próprio. Com o falecimento do artista, só agora esse material estreia no É Tudo Verdade, seguindo padrões documentais já estabelecidos previamente e não apenas pelo escaninho musical. Estão lá as ‘cabeças falantes’ (ainda que captadas desde a cintura), o material de arquivo minucioso, a ‘ascensão e queda’ que geralmente competem a grandes personagens, há os números de apresentação que justificam o filme. Obviamente que não falta qualidade à montagem e ao material capturado, o que talvez falte é um senso de novidade.

Ainda assim, Rewald tem um dispositivo guardado na manga para tentar construir autoralidade, o que é uma benesse do filme. Jair deixou dois herdeiros musicais como filhos, e Jair de Oliveira (o eterno Jairzinho, ex-Balão Mágico) está inserido nesse dispositivo, simplesmente sendo o pai. Explica-se: Rewald encena monólogos de Jair pai na boca de Jair filho, de forma bem menos desastrosa do que poderíamos supor dessa ideia. Na verdade, ela é bem sucedida, simplesmente porque vemos filho e pai se fundirem em um só, quando um é colocado em cena como o outro. Que o filme capte também os depoimentos dele no mesmo arsenal dos outros depoentes, e que também devasse os ensaios do material só enriquece a experiência.

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Se há algum problema partindo desse encaminhamento é o espaço reduzido que é dado a ele, nos levando a questionar os reais motivos para fazê-lo. É um material cinematograficamente diferencial para o projeto, que o destaca do que estamos acostumados a ver, sem jamais soar como uma dramatização rasteira por todos os motivos imaginados – um pai reencarna na pele do filho, entre eles. Mas um jogo cênico tem que encontrar funcionalidade dentro da obra, e Jair Rodrigues, o filme, parece se contentar em criar aquela habitual atmosfera de homenagem parcial ao seu biografado, e o dispositivo tão bem-vindo acaba carecendo de propósito mais claramente definido.

Jair Rodrigues: Deixa Que Digam

Há no entanto organicidade no desenvolvimento aparentemente polêmico de Jair com suas questões raciais, com um debate bem azeitado posto à roda, especialmente quando o filme louva o artista por trazer de volta uma negritude ao samba que a bossa nova parecia ter apagado, ainda que não propositadamente. O movimento que Jair construiu, de resgatar os sambas de enredo como músicas independentes do carnaval, e a aproximação de sua música aos cânticos de terreiros de religiões de matrizes africanas expôs sua própria forma de combater o racismo, sem discurso na prosa mas com muita mensagem em verso.

Esses detalhes, aliados a exuberância e presença gigantesca de Jair Rodrigues, eleva o material que seu documentário apresenta, que mesmo ousando pouco esteticamente, encontra um espaço muito bonito nos grafismos das fotos apresentadas, que sempre lançam um traço de cor sobre o homem por trás do personagem, criando uma dose de mitificação a esse homem que vendia alegria e que, com esse gesto, o filme corrobora seu poder, o de iluminar e dar vida aos espaços que encontrava apagados.

Um grande momento
Ensinando o filho a ser o pai

[25º É Tudo Verdade]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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