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O Retorno de Mary Poppins

(Mary Poppins Returns, EUA, 2018)
Musical
Direção: Rob Marshall
Elenco: Emily Blunt, Lin-Manuel Miranda, Ben Whishaw, Emily Mortimer, Pixie Davies, Nathanael Saleh, Joel Dawson, Julie Walters, Meryl Streep, Colin Firth, Jeremy Swift, Kobna Holdbrook-Smith,
Dick Van Dyke, Angela Lansbury
Roteiro: P.L. Travers (livros), John DeLuca, Rob Marshall, David Magee
Duração: 130 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

Há 54 anos, chegava do céu uma babá mágica que encantou crianças e famílias inteiras no mundo. Produzido pela já gigante Disney, então dona absoluta deste mercado específico, Mary Poppins foi um daqueles filmes que não se perdeu com o tempo e seguiu encantando novas gerações com sua mensagem familiar, imagens coloridas e marcantes, e músicas inesquecíveis, como “Chim-Chim-Cheree” e “A Spoonful of Sugar”.

Natural que, num momento de resgate de toda a filmografia do estúdio, a obra fosse revisitada. Num movimento ousado, como o que outros títulos com a mesma assinatura estão fazendo, voltar a um musical clássico, que tem muito de sua força em um outro tempo e parecia tão dependente do carisma e competência da dupla de atores Julie Andrews e Dick Van Dyke, parecia ainda mais perigoso.

Porém, a Disney tomou todas as medidas para se prevenir. Quem assina o longa tem uma carreira sólida com musicais: o coreógrafo e diretor Rob Marshall, com suas diversas indicações ao Tony por coreografias e com uma respaldada, embora não unânime, filmografia, que inclui Chicago (seu maior sucesso), Nine e Caminhos da Floresta.

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Para acompanhar Mary Poppins, substituindo o Bert de Van Dyke, o escolhido foi Lin-Manuel Miranda, maior revelação do teatro musical norte-americano dos últimos anos. Ainda muito jovem, o ator e cantor surgiu nos palcos com “In the Heights”, espetáculo off-Broadway que depois tomou a Broadway e ganhou mais de um Tony, e, anos mais tarde, atraiu todas as atenções ao roteirizar, compor, coreografar e atuar a biografia política “Hamilton”. No cinema, compôs músicas que já tornaram-se populares, como as da trilha de Moana: Um Mar de Aventuras.

A composição das músicas também recebeu uma atenção especial. Como fazer com que novas canções alcançassem o mesmo nível daquelas compostas pelos irmãos Sherman? A aposta foi em Mark Shaiman e Scott Wittman, conhecidos pelos musicais Hairspray: Em Busca da Fama (nos palcos e nas telas) e “A Fantástica Fábrica de Chocolates” (nos palcos). Atenta à manutenção do estilo, que se inspirara na era eduardiana, a dupla buscou uma continuação, incorporando pequenas ousadias pontuais, principalmente nas participações de Miranda, já conhecido por saber como mesclar jazz e hip-hop, mas tudo de maneira muito discreta e respeitosa.

Segura na parte musical, tanto em coreografia como em composição, faltava achar alguém que conseguisse viver Mary Poppins depois de Julie Andrews estabelecer uma personalidade tão marcante à babá. E, mais pela ousadia do que pela segurança, a escolhida foi a versátil Emily Blunt, que não só demonstrou o respeito pela personagem já definida no imaginário popular como conseguiu inserir a sua marca.

A manutenção da aura do filme original pode ser percebida ainda no roteiro de David Magee. Com a mesma estrutura do filme de 1964, O Retorno de Mary Poppins traz também as mesmas questões, embora se aprofunde mais no lado obscuro da história – que se passa durante a grande depressão – e acompanha a história dos já crescidos filhos do casal Banks. Embora acerte em sua maior parte, há problemas notórios no início do filme, que tenta seguir a mesma confusão de eventos do anterior, mas apela para comportamentos e situações desatualizados que criam uma certa barreira entre o público e os novos personagens. É um começo estranho e pouco convidativo, que só consegue se aprumar depois que a pipa reaparece trazendo a babá novamente dos céus.

Até este momento, Rob Marshall não parece ter muito conhecimento sobre a situação criada e se atrapalha na profusão de elementos e no uso de sequências que pouco ajudam na reversão do sentimento. Depois acerta o passo, seja na mescla com os desenhos animados, coisa que P.L. Travers, a autora dos romances, não gostaria de ver ou no modo como alterna a fantasia que chega com Mary e a desolação de uma cidade profundamente abalada pela crise econômica. Neste ponto, quando alterna visualmente todo o escuro, a chuva e as cores pesadas com uma profusão de danças, risadas, cores vivas e atraentes, o diretor demonstra bastante habilidade e se aproveita do realçar da imaginação nos mais novos e da nostalgia gerada nos mais velhos.

As sequências musicais também são uma atração à parte, com destaque para a coreografia dos acendedores de lampião, reverente e ao mesmo tempo atual, e para a aparição surpresa do velho Dawes Jr.. Esta, aliás, é a cena mais emocionante do filme.

Ainda que tenha seus deslizes e não acerte sempre no ritmo ou no comportamento, O Retorno de Mary Poppins consegue encontrar-se com sua origem e, seja pela memória ou pela descoberta daquele universo, traz a magia de volta às telas, sempre com muito respeito e deferência, mas com uma vontade de fazer algo diferente e tão marcante quanto aquilo que já existia antes. É um novo supercalifragilisticexpialidocious, com rostos, músicas, aventuras diferentes e balões no lugar de pipas, mas que chega ao mesmo lugar.

Um Grande Momento:
Mr. Dawes Jr.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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