- Gênero: Drama, Suspense
- Direção: Barbara Topsøe-Rothenborg
- Roteiro: Anders Rønnow Klarlund, Jacob Weinreich
- Elenco: Dar Salim, Sonja Richter, Sus Wilkins, Mikael Birkkjær, Milo Campanale, Lars Ranthe, Morten Burian, Benjamin Kitter
- Duração: 105 minutos
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Se começa de maneira banal e previsível, Um Marido Fiel, estreia de hoje da Netflix, acaba por enveredar em outras questões, conforme avança sua narrativa. Não estamos falando de adquirir alguma sofisticação insuspeita após uma apresentação banal, mas de seguir seriamente investigando tematicamente suas questões. Estamos diante de um longa que se dispõe a debater as agruras do casamento, quando ela apresenta sinais de cansaço e desmoronamento. Desde a sua apresentação, uma conversa entre pai e filha que se encerra de maneira amarga ante o que significa em matéria de aconselhamento, o filme se projeta como uma discussão sobre a falência do amor e do matrimônio. Dado o que vimos, imagina-se que provavelmente tenha sido desenvolvido por alguém que não acredita em mais nada nessas questões.
Completando 43 anos, a diretora Barbara Topsøe-Rothenborg comanda a adaptação do livro de Anna Ekberg quase literalmente. Digo isso porque a estrutura da narrativa é muito reconhecível como algo literário que foi mantido de maneira equânime, dado seu intercurso discursivo. É uma linha de raciocínio que cruza a outra, com um entrevero policial rasgando seu roteiro e sendo alimentado por ele. Não há cruzamento entre essas narrativas, apenas o pai detetive que conta um causo à sua família em momento, digamos, inoportuno para tal. A intenção de tal narração é a que parece gerir o projeto, desacreditar a paixão, o romance e o enlace como sendo decisões perigosas, até mesmo fatais, em muitos casos. Estão errados na teoria? Não, mas é uma posição claramente amarga diante da exposição da felicidade.
Nesse caminho, o machismo estrutural que é denunciado pelo filme vai se transformando, aos poucos. O que era basicamente um Supercine de beira de estrada nunca deixa de sê-lo, mas o filme está muito interessado em denunciar questões que mostram a falência sob inúmeros pontos de vista. Não são apenas as instituições que estão falindo, obra dos seres que as constituem, mas muito também do indivíduo em particular. São eles que constroem cada instituição, então se já não há esperança de salvação no que cada um delas representa, é porque seus fundadores também já estão apodrecidos. De muitas formas, ecoa Garota Exemplar no que é discutido em cena, mas a mão de David Fincher para a direção nunca está representada aqui.
Se o olhar que Um Marido Fiel lança para o masculino não é positivo, com as tradicionais fraquezas masculinas derrubando qualquer atitude e argumentação, o feminino também não sai limpo da produção. Até é curioso observar como são construídos Christian e Leonora, o casal protagonista que até quer se separar, mas muito mais quer ter razão diante do fim. Ele é o homem apaixonado que pretende sair limpo de uma relação e tentar ser feliz, permitindo também que a esposa encontre de novo uma razão de viver. Ela é um ser de outra espécie, apegada ao estabelecido, sem qualquer flexibilidade e adepta do ‘vale tudo’ para manter uma imagem, por mais arranhada que seja. Nesse sentido, as denúncias do filme acabam por positivar muito mais o homem como um ser disposto à realização dos sonhos, ou alguém muito prático, em contraponto ao destempero da mulher, capaz de desatinos ou incapaz de permitir a chegada do novo em sua vida.
Diante da tragédia anunciada, ambos se mostram em sua essência. Christian é puro desespero que se afoga na dor, enquanto Leonora tem um pragmatismo que a aproxima de estrategistas frios, calculando passos e impedindo a paixão de acontecer. Não é fácil de observar a mulher como o ser da ação, muito mais próximo parece o filme de querer acusá-la de ‘inimiga da felicidade’, impedindo o pobre Christian de seguir em frente. Mas no miolo do filme existe uma cena que define tudo, os lugares dos personagens em seus propósitos – ele quer deixar o caminho livre para ambos, enquanto ela quer ameaçar e esbravejar. Que o filme crie um flashback transformando-a em uma criatura perigosa desde sempre, só confirma a imagem que o mesmo quer criar, para ambos.
Um Marido Fiel, a despeito de sua roupagem ‘fast food’ cinematográfico, está sim querendo comunicar com o espectador muito mais do que deveria. Essa comunicação se mostra enviesada quando percebemos que um título dirigido e originalmente escrito por mulheres está colocando suas personagens em berlindas que a negativizam. Mesmo Xenia, a amante de Christian, parece enfurecida e pouco razoável, enquanto o protagonista se acua e permanece no interesse impávido de ser feliz – e também provocar liberdade a todos. Paralelo ao que está na superfície, então, o título se desenha muito mais atrasado e superficial.
Um grande momento
Christian comunica a Leonora – e o diálogo se bifurca