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Justiça Além do Sistema

Vozes perdidas

(Naked Singularity, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Chase Palmer
  • Roteiro: Chase Palmer, David Matthews
  • Elenco: John Boyega, Olivia Cooke, Bill Skarsgård, Ed Skrein, Linda Levin, Kyle Mooney, Scott Barrows, Robert Christopher Riley, Tim Blake Nelson
  • Duração: 90 minutos

Não há justiça no mundo que coloque no mesmo patamar ricos e pobres, homens e mulheres, brancos e negros, poderosos e desfavorecidos. Tudo é uma questão do lugar onde você está, inserido ou nascido, e a partir disso sua situação será então definida. Se você é um homem branco cis heterossexual rico e poderoso, toda a justiça estará a seu favor; a cada “predicado” desses elencados acima que você “perca”, sua situação será pior diante de um juiz. Justiça Além do Sistema, estréia do Telecine, fala sobre isso apenas nas entrelinhas, mas gritando a quem quiser ouvir, e repete o lugar que John Boyega já tinha estado em outro exemplar recente, do projeto de Steve McQueen, Small Axe. 

O cineasta aqui, Chase Palmer, está em sua estreia na cadeira. Ele escreveu o roteiro de It (e isso deve justificar a presença de Bill Skarsgard aqui) e adapta o livro de Sergio De La Pava, que tenta observar um grupo de sujeitos sem qualquer sorte e inseridos em lados da tal justiça que não os privilegia. O cineasta tem segurança em contar uma história rápida, sem subterfúgios duradouros que arraste sua duração ou o conceito que será debatido. Talvez esse seja um ponto de inflexão da produção, usar a velocidade de seus eventos para dinamizar o campo exibido, sem com isso clarear suas ideias. Em sua defesa, temos um filme que nunca deixa de se conectar com o público graças a essa rapidez temática. Em contrapartida, nem todas as nuances narrativas ficam evidenciadas. 

Como se fosse necessário terminar mais rápido do que o previsto, o roteiro trunca as situações onde os personagens estão inseridos, e o filme sofre de uma incompreensão constante. Seja pelo tom de humor e despretensão carregado em suas ideias, o filme garante o interesse do público mas não a sua adesão por completo, já que as situações se atropelam e parecem se anular. Acompanhamos principalmente Casi (Boyega) e Lea (Olivia Cooke, de O Som do Silêncio, cada vez melhor), um advogado público e uma jovem que trabalha num estacionamento de um guincho, igualmente público, que cuida de carros apreendidos pela polícia, e que posteriormente serão leiloados. De suas atividades particulares, das dores de estarem sempre tropeçando, caindo e tendo dificuldades pra voltar ao lugar e o encontro que os une, o filme esbarra com tipos que não tem qualquer ajuda social, mas não deixam de tentar empreender. 

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O filme aposta em uma saída fantástica que é anunciada desde o início, mas que não representará qualquer mudança efetiva na solução dos acontecimentos – nem gerar qualquer importância. Esse é um dos fatores que causam frustração na produção, que caminha de maneira meio irresponsável pelos seus temas e ambições. Porque, no fim da jornada, nada parece importar muito ou gerar uma expectativa muito grande para criar qualquer frisson entre o público. Sua narrativa versa sobre temas absolutamente prementes e os lugares que o filme tenta focalizar são de interesse público, mas nada parece encontrar reverberação de urgência na própria narrativa, que segue fazendo graça e sendo divertida. Apenas. 

A despretensão que corre pelo roteiro não justifica o fato de que Justiça Além do Sistema não consiga estabelecer um elo mais profundo com o espectador. Não há um mergulho real em seus temas, não há um valor urgente que o filme ressignifique e represente uma quebra de seu estado catatônico. A trilha sonora, que tenho observado tão intrusiva muitas vezes, aqui inexiste, não conseguindo elevar o trabalho das imagens. O bom elenco não é suficiente para preencher as lacunas que não são preenchidas pelo trabalho de direção, na busca por organizar seus segmentos e criar alguma tensão. Ao invés disso temos um perceptível desinteresse em se aproximar do público, e isso vindo de um filme de ideias tão progressistas e humanistas, soa como um descaso quase imperdoável. 

Nota: 2.5

Um grande momento

Lea tenta atrasar a entrega do carro

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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