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Um Tira da Pesada 4: Axel Foley

O bom e velho

(Beverly Hills Cop: Axel F, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Ação, Comédia
  • Direção: Mark Molloy
  • Roteiro: Will Beall, Danilo Bach, Daniel Petrie Jr.
  • Elenco: Eddie Murphy, Joseph Gordon-Levitt, Taylour Paige, Kevin Bacon, Judge Reinhold, John Ashton, Paul Reiser, Bronson Pinchot
  • Duração: 110 minutos

Perdi a conta de quantas vezes falei sobre nostalgia em texto nos últimos anos – e em conversas pessoais, é impossível sentir que a cinefilia não parece se dobrar não apenas a personagens e estímulos, mas a gatilhos exatamente de um período outro que não o nosso. A Netflix acaba de estrear o mais novo resultado dessa demanda alucinada pelo passado, e Um Tira da Pesada 4: Axel Foley será um sucesso com certeza. Digo mais: a Paramount, distribuidora original da série, perdeu a chance de arrecadar uma bolada com o produto. Feito para agradar pais e filhos, mas de olho principalmente em uma espécie de cultura do ontem, o filme é absolutamente decalcado do que conhecemos há 40 anos atrás, e não apenas do que foi conseguido exatamente pelo personagem. 

Produzido pelo mesmo Jerry Bruckheimer dos outros três, e que junto com Don Simpson, significou nos anos 80 e 90 Top Gun, Flashdance, Bad Boys, A Rocha, Armageddon e tantos outros, esses filmes criaram uma marca registrada que nos leva diretamente para aquele tempo de outro jeito. Dessa vez, não é apenas um saudosismo pelo que tais tipos, atores e narrativas provocaram, mas principalmente pelo que tais imagens significaram. O que foi permitido naquele tempo, uma maneira artesanal de envolver o espectador, que se traduzia em filmes que não custavam fortunas incalculáveis e tinham seu universo criado de maneira mecânica, hoje parece serem casos raríssimos. Um Tira da Pesada 4: Axel Foley faz parte dessa seara adormecida, que vibra exatamente onde as superproduções hoje parecem não mais atentar. 

Dessa forma, os elogios que são feitos ao protagonista, e o fato de que não é dito a ele que seu tempo passou, e sim que ele funciona como um exemplo deslocado no tempo, é uma maneira do filme se auto elogiar no que ele tem de melhor. Tudo o que era normatizado no cinema de ação de 40 anos atrás, e que simplesmente desapareceu das linhas de produção para dar lugar a homens voadores de colant, é retomado aqui em sua essência. O que faz então de Um Tira da Pesada 4: Axel Foley um programa tão bom é justamente a maneira com que tudo é apresentado ali, quase como um manual de instruções que não é mais utilizado. Muito rapidamente, desde a abertura no estádio de hockey, o filme declara para o espectador que ele está diante de um material em extinção, que se recusa a morrer porque artistas como Bruckheimer e Eddie Murphy ainda acreditam no que ele tem a oferecer. 

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Como visto, o diretor Mark Molloy é funcional, dentro de sua estreia. Provavelmente foi “educado” à base desse cinema, e recebeu muito mais do que instruções de seu astro e produtor, que conhece tudo do gênero e do período. O resultado é um filme bem superior ao título anterior, de 1994, e que tem uma comunicação bacana com os títulos dos anos 80. Ainda que não passe exatamente de uma direção eficiente, a produção entrega algo esperado, sem requintes. Isso independe do que está sendo contado, do personagem-título e de seus amigos, porque está em uma espécie de DNA adquirido pela obra. É nessa toada que o filme escapa do que seria uma armadilha tradicional de recorrer ao que já foi criado no passado para construir algo novo, e vemos exatamente um filho oficial daquele período. Um Tira da Pesada 4: Axel Foley tem a textura e as ambições que os originais tinham, a de promover entretenimento e escapismo a partir de uma movimentação quase anacrônica. 

Por incrível que pareça (ou não), a paisagem emocional afetiva do filme está quase inteira nas mãos de Murphy, mesmo que Judge Reinhold, John Ashton e Paul Reiser estejam em cena. Porque precisa, óbvio, atentar para as plateias mais jovens também, e aí dá-lhe Taylour Paige e Joseph Gordon-Levitt em cena para contribuir com um romance nos dias de hoje. São as concessões que esse tipo de produção encara em algo de ideia assim, no pensamento de impedir que os espectadores de hoje fujam da produção. É uma pena, assim como também acontece com a presença de Bill Murray nos Ghostbusters recentes, e aqui ainda mais evidente – porque sabemos que Murray é muito enjoado e deve ter pedido para aparecer pouco. Isso não deve ser uma prerrogativa aqui, apenas diminuir a presença de quem gostaríamos de acompanhar mesmo, porque precisam colocar novos tipos em cena.

Os atores jovens não conseguem agregar nada ao filme que os veteranos da franquia não o fazem de olhos fechados. O quarteto já citado, mais a presença de Kevin Bacon, é quem garante o carisma do projeto. Murphy inclusive parece retomar o carinho pelo papel, que parecia perdido no episódio de 30 anos atrás. Foley voltou a ser aquela metralhadora de temas e imitações, sem precisar recorrer às maquiagens que acabaram transformando a carreira do astro desde Um Príncipe em Nova York e O Professor Aloprado. Não é uma retomada ao festival de gargalhadas do anterior, mas o filme tem adrenalina de sobra, e várias incursões positivas pelo bom e velho Murphy. Isso é suficiente para a Netflix ter um programa acima da média. 

Um grande momento

O spray de pimenta

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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