- Gênero: Ação
- Direção: Paul Thomas Anderson
- Roteiro: Paul Thomas Anderson
- Elenco: Leonardo DiCaprio, Sean Penn, Benicio del Toro, Regina Hall, Teyana Taylor, Chase Infiniti, Alana Haim, Wood Harris, Shayna McHayle, Starletta DuPois, D. W. Moffett
- Duração: 161 minutos
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Paul Thomas Anderson faz em Uma Batalha Atrás da Outra um cinema que parece mirar diretamente o coração político do presente. Nada aqui é explícito, não há discurso, slogan ou didatismo. A política nasce de uma ferida mais funda, dessa tensão que atravessa corpos e comunidades quando duas formas de absolutismo disputam o sentido do mundo. A polarização não entra como ilustração, mas como matéria estética. Anderson organiza os quadros como quem observa um país dividido entre certezas que não dialogam, forças que não reconhecem limite, grupos que só entendem o outro como ameaça. É um filme sobre colisão de verdades e gestos.
No centro dessa estrutura está Bob Ferguson, vivido por Leonardo DiCaprio. Ele já orbitou a militância radical, já acreditou na revolução e já se decepcionou com as próprias convicções. Hoje carrega as cicatrizes do passado tentando proteger a filha Willa, interpretada por Chase Infiniti, que se torna aquilo que nenhum dos lados consegue tolerar: uma existência ainda não capturada. Anderson filma a dupla como se ambos fossem vestígios de um país que tenta sobreviver à tempestade política sem se render completamente ao fluxo da violência. Ainda assim, eles estão longe de representar neutralidade.
Os extremos, nesse universo, estão bem delineados. A esquerda radical surge endurecida na figura de Perfidia (Teyana Taylor), rígida, cega para o mundo fora de sua doutrina. Anderson a articula mais no passado do que como movimento do presente. Afinal de contas, esse grupo acredita que é depositário de uma verdade moral inegociável, e opera com disciplina que combina idealismo, frustração histórica e necessidade de controle. Do outro lado, a extrema direita, incorporada pelo coronel Steven Lockjaw (Sean Penn), aparece como força bélica, militar, amparada em paranoia, preconceito, ressentimento e pulsão de violência. A lógica é outra, mas a certeza é a mesma. Cada polo vive aprisionado pela sua própria certeza.
Entre as forças em choque, há um campo mais discreto que Uma Batalha Após a Outra deixa respirar, onde se movem Deandra, vivida por Regina Hall, as freiras e o sensei interpretado por Benicio Del Toro. Eles não disputam poder, operam no nível do que precisa ser feito. Deandra reconhece o perigo e intervém sem esperar teoria nenhuma para legitimar o gesto, as freiras sustentam a vida enquanto o país parece se desfazer ao redor e o sensei cria um chão possível num mundo que insiste em desalojar. Anderson filma esses personagens e essas ações como zonas de ação concreta, onde política não aparece como discurso, mas como prática cotidiana, como trabalho silencioso que mantém corpos inteiros enquanto os extremos produzem traumas e escombros.
A mise-en-scène amarra tudo. Anderson alterna blocos narrativos que se tocam como placas tectônicas, criando instabilidade contínua. Os polos são filmados com dureza, rigidez; o centro, com tensão, mas movimentos que procuram saída. Willa atravessa esse labirinto como a figura que ainda pode escapar, não porque é inocente, mas porque ainda não foi convertida. Sua formação e suas ações não vêm como herança de nenhuma ideologia, mas do aprendizado de que permanecer viva exige ocupar o mundo com o próprio corpo. Anderson filma esses espaços como zonas de resistência silenciosa, onde política surge não como palavra, mas como gesto. Bob, mesmo guiado pelos instintos paternos, reconhece esse movimento.
Uma Batalha Após a Outra mostra um país que se tornou terreno de batalha contínua, em que cada grupo acredita ser o único guardião da verdade. Ao colocar Bob e Willa nesse centro instável, Anderson revela que o futuro não está nos extremos, mas tampouco está garantido por quem tenta ficar entre eles. A sobrevivência depende de outro tipo de imaginação política, uma que o filme não romantiza, mas que apresenta como possibilidade remanescente.
É um dos filmes mais complexos de Paul Thomas Anderson porque entende que a política contemporânea não exige slogans, exige precisão. Ele captura esse país estilhaçado com um olhar que recusa simplificação e, ao mesmo tempo, recusa imunidade. As batalhas continuam. O que resta é decidir quem consegue atravessar esse campo sem ser devorado pelo fervor de nenhum lado.
Um grande momento
Com o sensei


