Crítica | Catálogo

Uma Noite em Haifa

(Laila in Haifa, ISR, FRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Amos Gitaï
  • Roteiro: Marie-Jose Sanselme
  • Elenco: Maria Zreik, Khawla Ibraheem, Bahira Ablassi, Naama Preis, Hana Laslo, Makram Khoury, Tsahi Halevi, Clara Khoury, Hisham Suliman, Tom Baum
  • Duração: 95 minutos

Amos Gitaï está prestes a completar 73 anos, já adentrou a seara ‘veterano’ há algum tempo. Infelizmente, a filmografia já parou de ter relevância há muitos e muitos anos, e o que vem sendo entregue não arranha a categoria dos tempos de O Dia do Perdão e Kadosh. Seu mais recente filme estreia hoje nos cinemas, Uma Noite em Haifa, e seu resultado é condizente com o que temos visto há mais de uma década, porém tenho a impressão de que o degrau chegado aqui é talvez o mais baixo de uma carreira que está completando meio século (ainda que o primeiro longa só tenha vindo 6 anos depois). Em discussão está um filme onde vemos um senhor correr atrás de um tempo que se perdeu dele, em vão. 

Não há coerência no que vemos, na verdade pouco parece ser reconhecido como uma narrativa coesa, quando na verdade parecemos estar diante de um filme de episódios onde um adentra o outro. Essa não é uma característica que diminua o filme por si só, mas a forma como esse conjunto não funciona, como ele só mostra um autor perdido para entregar uma nova produção que valide uma representação que outrora foi muito evidente, e hoje nem encontra mais lugar. Gitaï se modernizou, ou quis dizer que aconteceu algo nesse sentido, mas Uma Noite em Haifa prova que seu cineasta não sabe muito bem como portar sua câmera, o que filmar, a quem seguir, ou o que deveria estar em cena; não sabemos o que faz sentido, e seguimos à deriva. 

A história de muitas mulheres na noite do título em português presentes em um misto de bar, boate e galeria, que tentam intercalar suas vidas e suas relações, mostra que o cineasta está no mesmo lugar onde vê o tal estabelecimento e as vidas de seus tipos (que não creio que se tornem personagens com particularidades definidas): perdido. Uma Noite em Haifa mostra israelenses e palestinos convivendo bem com suas nacionalidades – ou quase – mas absolutamente enredados em histórias de amor, de ódio, de rancor, de desejo, que os coloca em patamar parecido. Ninguém entende o lado do outro, alguns não entendem nem seus próprios quereres, e o filme tenta seguir, muitas vezes literalmente, um grupo de aparência tão apartada, que não têm conexão entre si. 

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Ele insiste em algo parecido com plano-sequência durante a projeção, e é aí que o cineasta demonstra sua vontade de evoluir. Mas nada sobrevive à base de vontade apenas, e Uma Noite em Haifa definha em suas intenções, porque seu diretor não consegue capturar o esforço do nosso tempo. Existe uma predisposição do filme em ser muito absorvente com tudo que está sendo contado, mas os pulos a cada nova etapa (de 5 em 5 minutos, em média) impedem o espectador de se conectar com qualquer personagem que seja. Isso também é provocado pela mão pesada do diretor em conduzir tais relações, que parecem sempre em situação de incompletude, sem deixar muitos sintomas de conciliação narrativa. Acompanhamos o que parece ser, constantemente, uma bagunça generalizada. 

Não são apenas as desavenças entre os muitos elementos humanos, mas as desavenças de um diretor que não alcançou as tais relações líquidas que ele parece tentar entender. Também uma rusga entre sua visão e o que sua roteirista pretendia ao contar tantas histórias, porque nada é muito evidenciado, parece negativamente vazio o que estamos assistindo. O elenco não consegue se sobressair, nem o material escrito, porque Gitaï parece orgulhoso demais de suas imagens para perceber que tudo está ruindo ao seu redor. Temos então esse Uma Noite em Haifa, que não apenas está muito afastado do que um dia esse diretor apresentou, como não conseguiu vencer a barreira do tempo em sua filmografia; tudo parece cansado e o oposto de moderno, e sim um cinema neurastênico e profundamente impessoal. Para um cineasta que sempre exaltou as pessoas e suas relações profundas entre si, isso me soa como um alerta a respeito do fim – do interesse, ao menos. 

Um grande momento

Josephine

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Cinthia
Cinthia
14/08/2023 22:35

Crítica perfeita. Fui assistir acreditando encontrar algo como Kadosh ou Yom Kiper. Triste ilusão ou mesmo decepção.

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