Crítica | CinemaDestaque

Asteroid City

Alguma coisa está fora da ordem

(Asteroid City, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Wes Anderson
  • Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola
  • Duração: 105 minutos

Não há cor no programa que fala da peça de teatro colorida. A investigação não é exatamente sobre ela, mas sobre toda uma obra, um jeito de fazer quase obsessivo que se conhece bem depois de tanto tempo. Tudo é tão pensado antes, tão executado para estar milimetricamente disposto onde deveria, no lugar perfeito, mas a verdade é que nunca haverá como controlar tudo. A vida é, afinal, imprevisível. Não existe aqui lugar para soluções binárias e simples. Trocar uma peça pode resolver o problema, explodir tudo… e mais um monte de outras alternativas.

Asteroid City, novo filme de Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste), é sobre a angústia do não saber, sobre a ansiedade por aquilo que não conseguimos controlar, seja na arte ou na vida, se é que existe uma separação entre essas duas. O filme conta a história de um dramaturgo que cria uma peça que se passa em uma cidade no meio do deserto, próxima a um local onde testam bombas nucleares e onde um meteorito fez uma enorme cratera. Lá acontecerá um concurso para jovens cientistas mostrararem seus experimentos, mas a programação do evento muda quando um ser alienígena surge em uma das palestras e uma quarentena do governo obriga todos a ficarem mais tempo do que precisavam. Paralelamente a isso, um programa de televisão, faz um documentário sobre a produção teatral. Nada faz sentido, ou tudo faz sentido, mas fato é que esse sentido pode mudar de repente.

Dividido em atos, em um vai e vem entre as camadas de observação propostas, o filme não deixa de brincar com a invasão desses limites. Se a criação é fundamental no ideário da perfeição, a interpretação é ponto chave do caos, e ela, aqui com mil vieses em Augie Steenbeck, lindamente vivido por Jason Schwartzman – como é bom acompanhá-lo –, transita por entre realidades, ora cênicas ora “reais”, numa angústia de incompreensão que contagia o todo. Ao seu lado, e junto com ele, uma coleção de personagens inusitados, uma marca do diretor, vai costurando experiências e sentimentos diante de fatos inescapáveis e imprevisíveis como luto, medo, insegurança, desejo e tantas outras coisas.

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Jovens, quando não estão em seus jogos estranhos, no imaterial precisam projetar futuros que talvez nem queiram ou nem possam atingir e no físico precisam projetar para se provar; mais jovens ainda, entre suas autocontagens, precisam aprender coisas que deixarão de fazer sentido e eles saberão disso; adultos terão que falar e ouvir e sofrer com aquilo que escutam em voz alta pela primeira vez; outros adultos mudarão de ideia uma, duas ou mais vezes; os mais velhos falarão sobre suas experiências e aquilo que não podem mudar, porque foram atropelados por algo que os transformou. E alguns vão chorar, sorrir, sofrer, dormir e acordar.

Não há como negar a autoria de Asteroid City. O roteiro é assinado por Anderson e seu parceiro de longa data Roman Coppola. Em tela é possível ver um desfile nada inesperado de estrelas, a grande maioria indicada e ganhadora de Oscares. Scarlett Johansson, Bryan Cranston, Edward Norton, Matt Dillon, Steve Carell, Jeff Goldblum, Willem Dafoe, Margot Robbie, Hong Chau, Tom Hanks, Tilda Swimton e Adrien Brody estão por lá. E ali também estão o figurino, as cores (ainda que nem sempre), a música, além da ironia e de um jeito muito particular de falar da solidão e dessa busca infinita por pertencimento. Porém, desde o princípio do filme, algo está fora do lugar. 

O incômodo do criador agora exposto gráfica e textualmente é estranho aos sentidos e há uma certa dificuldade, parecida com a de Steenback, em se conectar com tudo aquilo que vai sendo entregue em profusão, por tantos caminhos e em tantos indivíduos que se desdobram. Porém, é na complexidade da imprevisibilidade e em sua identificação tão inescapável que Asteroid City encontra sua maior força. No pai que não sabe o que dizer ao filho que responde de maneira sincera a uma pergunta, na mãe que ama seus filhos mas não consegue se conectar com eles, na professora que vai falar de planetas depois de uma visita alienígena ou de um autor que não sabe como uma cena surgiu, mesmo sendo ele o mais calculista e metódico de todos.

Talvez esse nem seja o melhor filme do diretor, mas, sem dúvida é o mais arriscado dele, pela complexidade com que estabelece sua narrativa e a forma com que costura suas histórias dentro de histórias. Mas muito mais, por olhar para si mesmo e para o todo; e pelo modo como enxerga o seu incômodo e a sua obsessão.

Um grande momento
Não entendendo a peça

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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