- Gênero: Romance
- Direção: Matthew López
- Roteiro: Matthew López, Ted Malawer
- Elenco: Taylor Zakhar Perez, Nicholas Galitzine, Uma Thurman, Clifton Collins Jr., Stephen Fry, Rachel Hilson, Sarah Shahi, Ellie Bamber, Akshay Khanna
- Duração: 115 minutos
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Atenção: alerta de texto muito pessoal, sem qualquer distanciamento teórico.
A verdade é que não sei até que ponto assistir uma “fantasia” como a estreia do Prime Video, Vermelho, Branco e Sangue Azul, ameniza a angústia de ser gay no Hoje. Me perdoem, mas vou abrir mão um pouco de usar a expressão inteira, LGBTQIAPN+, apenas nesse desabafo que farei, e que estará arquivado aqui no Cenas de Cinema como um texto crítico, e eu não sei se ele o será de fato. Entendo, escrevendo esse texto assim que o filme acaba, que trata-se da minha pessoa se abrindo com você, leitor, e exibindo a verdade desse meu momento. Talvez não seja a melhor coisa a ser feita, provavelmente é uma das piores, mas prefiro ser honesto e tornar vocês cúmplices de um estado de coisas.
Repetindo o início do parágrafo anterior, o quanto nos afeta que algo tão desonesto quanto as desventuras mostradas pelos protagonistas de Vermelho, Branco e Sangue Azul pinte como possível, quando não é? Diferente do heterossexual, a comunidade LGBTQIAPN+ não se vê nas telas há mais de 100 anos. Não foi criada uma História de sonhos e desejos que Hollywood construiu e nos possibilitou sonhar com o impossível, através da magia do cinema. Ainda assim, sonhamos e sonhamos alto – queremos. Aos não monogâmicos, adeptos do amor livre, solteiros convictos e afins lendo esse post e se acham não afetados por esse tipo de “problema”, seja bem-vindo a um mundo que não gira em torno do seu umbigo. Você convive com pessoas que sofrem, e deveria, se minimamente empáticos fossem, se solidarizar com tais, e não diminuir suas relações, ou arremedos delas.
Nos foi incutido que devemos ser felizes, não é mesmo? Viemos ao mundo para ser feliz, e de nascença, essa capacidade nos foi oferecida, cabendo a nós aproveitar dela ou distorcê-la. E aí e 2023 estreia um filme no streaming chamado Vermelho, Branco e Sangue Azul (que não é o único a declarar que tudo dará certo e o amor virá, vide Heartstopper, por exemplo) e percebemos que, por mais que nos pintem assassinados (Milk), nos pintem sofrendo (Me Chame pelo seu Nome), nos pintem sexualizados (Corpo Elétrico) – e quem vos escreve adorar cada um desses títulos – é em algo como Fire Island que encontramos realidade. O que existe aqui é sonho, é um combo tão forte de ilusão que quase intoxica, mas quem disse que queremos enxergar o quanto cada uma dessas cenas são irreais?
Não se trata apenas de Nicholas Galitzine e Taylor Zakhar Perez serem absurdamente bonitos e longe do alcance de qualquer mortal, mas essencialmente em sua narrativa. Esqueçamos que se tratam de um dos herdeiros do trono britânico e o filho da presidente dos EUA, porque essas impossibilidades tratam-se do melodrama empregado, mas o foco tem que ser a luta que nossos dois protagonistas travam, contra tudo e contra todos (e tudo e todos no caso deles era coisa pra cacete) para ficar juntos. Porque, na vida real, ninguém está lutando por absolutamente ninguém, com problemas infinitamente inferiores aos dos meninos de Vermelho, Branco e Sangue Azul. Se você é gay, você encontrará quem sorrir, quem beijar, quem transar, e até quem te dizer ‘eu te amo’ e ‘quero namorar com você’, só não espere que qualquer dessas coisas dure mais que… hummmmmm… três dias? Uma semana, no máximo.
Aí chega Vermelho, Branco e Sangue Azul e nos diz: vai lá, você também pode conseguir alguém que lute para ficar com você. Lute contra o tempo, lute contra o trabalho, lute contra os amigos, lute contra as próprias expectativas e entenda que, sim, você é só um cara nota 8.3, e tá tudo bem, não há necessidade de dispensar você na busca de um 8.4. O que nos ganha na adaptação do livro de Casei McQuiston pelo diretor Matthew López é nos fazer esquecer que nada do que vemos é possível, e simplesmente torcer por Alex e Henry, independente de seus sobrenomes e posições. E nós torcemos não apenas por que queremos que em nosso destino também exista alguém, mas porque eles demonstram ferozmente que essa é a decisão mais importante de suas vidas e ambos lutarão por isso. E isso sim não teremos, em nenhuma instância.
A questão é muito mais ampla do que um mero ‘gostei ou não gostei’ de Vermelho, Branco e Sangue Azul, mas é uma comunicação direta a mim, geração 20 anos mais velha que os protagonistas, que não viu aquilo ali acontecer nem em delírio. O que vejo diariamente é a empolgação do momento, que faz com que sejam prometidos mundos e fundos, casamentos, cerca branca, amor eterno… até o próximo contato do whatsapp apitar. A conquista do aplicativo, o sexo fácil, a boate que você pode beijar 10 na noite, falam mais rápido do que a vontade de estar com alguém. E sim, se você chegou até aqui nesse texto, pode me chamar de amargo; estou sendo de maneira consciente, e quem fez isso por mim foram todos os implicitamente citados nesse texto.
Vermelho, Branco e Sangue Azul reconhece, em sua escalação, ao menos um dado histórico do ‘vale’ em posição estrategicamente irônica. O rei da Inglaterra, aqui, é vivido por Stephen Fry, historicamente uma das figuras mais ativas dentro da comunidade LGBTQIAPN+ do Reino Unido, uma figura que há década luta pela causa, e sempre usou sua imagem a favor da militância. É bonito ver esse homem dentro de um filme que se coloca de maneira tão abertamente positiva em relação às questões que ele sempre defendeu, e imagino que mesmo sua participação sendo tão breve, o tanto de simbólico que ela representa em cena. Isso dignifica ainda mais o projeto, e entende o quanto seu resultado é propositivo de muitas maneiras.
Dito isso tudo, esse desabafo um pouco amargurado (ou muito), o talento coletivo em torno de Vermelho, Branco e Sangue Azul nos coloca em situação desengonçada. Mesmo sabendo o quão longe da realidade estamos, nos agarramos a uma torcida indescritível para que aqueles personagens sejam felizes, bem desenvolvidos e tenham o carinho que dedicam um ao outro, reconhecidos. Galitzine e Perez, se vendem ou não como gays que encontramos facilmente por aí, ao menos têm litros de química um com o outro, e talento para nos convencer do que sentem. Com uma adaptação séria e questões tratadas de maneira muito adulta sobre dedicação, ‘saída do armário’ e veracidade de sentimentos, amargo ou não, a sensação ao sair da produção é de esperança, ainda que estejamos praticamente de frente a uma ficção científica. Nos cabe, na vida, sobreviver à fantasia.
Um grande momento
A despedida no palácio