- Gênero: Ação
- Direção: Coralie Fargeat
- Roteiro: Coralie Fargeat
- Duração: 108 minutos
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Em 2017 estreava em Toronto, à época que as acusações contra Harvey Weinstein tomaram corpo em Hollywood, um filme intitulado Vingança. Protagonizado por Matilda Lutz e dirigido pela cineasta francesa Coralie Fargeat – esta com um largo período trabalhando em diferentes funções na indústria – chocou alguns críticos (especialmente os homens) pelo excesso de sangue e pegada misândrica. O crítico da Folha, Thales de Menezes, chamou de tão ruim que apenas os fãs de trash movie deviam adotá-lo. “Se a diretora quis brincar com o exagero de violência, errou a mão e ficou perdida na falta de sutileza”. E ainda acrescentou que “outro motivo para ver o filme é testemunhar o início de carreira promissor da atriz italiana que é um dos novos rostos lindos do cinema, quase uma Jessica Alba adolescente e que consegue mostrar algum talento dramático”.
O curioso é que quando o cineasta norte-americano Quentin Tarantino roteirizou e dirigiu em 2003 e 2004, uma história de vingança protagonizada por uma mulher, abandonada para morrer, foi incensado como gênio e seus filmes considerados barrocos, operísticos isso mesmo com a violência excessiva. Segundo a teórica e crítica de cinema Molly Haskell narra em sua obra “Da reverência ao estupro – o tratamento das mulheres nos filmes”, a violência sacralizada descamba a partir de mulheres loucas ou sociopatas, tipo bem comum especialmente a partir dos anos 1970/80 em narrativas hollywoodianas (alô Atração Fatal, A Mão que Balança o Berço e Instinto Selvagem), não sem antes aparecer nos filmes onde mulheres são estupradas e se tornam assassinas como M.45, de Abel Ferrara.
Mas talvez a referência mas ostensiva do filme gore de Fargeat seja a Vingança de Jennifer, o explotation movie que cunhou o subgênero rape revenge – não à toa, sua heroína/sobrevivente se chama Jen (vivida por Matilda Lutz) e é uma lolita vitimada pela animalesca necessidade sexual masculina.
E o que Fargeat faz em seu filme no deserto marroquino, sobre vingança, sobrevivência e a inversão da lógica dominante em uma sociedade patriarcal, tóxica, que descarta as mulheres que não cumprem seus papéis sociais é discursar sobre o direito de escolher suas próprias narrativas na vida e nas telas. O filme abre com um plano sequência e encerra com outro plano sequência que juntos formulam uma elipse imagética mostrando como uma mulher é objetificada e entende a submissão ao algoz e como ela se rebela, se libertando. Explorando sutilmente a composição, com uma montagem dinâmica e eficaz, sustentado por planos imaginativos que mostram Jen pelos olhos dos homens, Fargeat traduz em narrativa a progressão desse olhar (dos atores e o subjetivo, na lente da câmera, do espectador) que reverência e deseja aquele corpo belo e jovem, para logo em seguida odiar e querer aniquilar.
Em entrevista ao Times durante o período de divulgação do filme a cineasta, fã dos filmes de body horror feitos por David Cronenbergh, assinalou Vingança como a sua incursão no gênero mas sem mimetizar o que já foi feito com esse tipo de plot. O filme não é sobre o abuso sexual mas sim uma história de Vingança, como Mad Max ou Rambo, onde uma personagem badass encurrala seus algozes/alvos. Não mais uma história onde uma mulher passa o filme todo sofrendo, chorando e agonizando – apesar de trazer algumas cenas de torture porn, Fargeat não explora o corpo e o sofrimento feminino para alimentar o olhar do espectador masculino que constantemente fetichiza esse tipo de situação. Ela inclusive coloca os caçadores tornados alvos em situações extremamente sanguinolentas.
“Vocês mulheres estão sempre armando a porra de um barraco”
Vingança não traz uma personagem feminina bem delineada em oposição a personagens femininos frágeis e estereotipados. Os três homens são mostrados como sujeitos ordinários, casados e que deixam suas perversões tomarem conta quando se reúnem para caçar longe das esposas. Sujeitos exemplares, que ao menor sinal de distúrbio no que planejaram, descambam para a violência. Logo Jen se torna aquela pedra no sapato, com algumas soluções narrativas meio mirabolantes sim, inverossímeis talvez mas que não deixam de justificar a trama e nem a proposta da diretora e roteirista, que subverte um gênero predominantemente masculino que sempre se nutriu dos gritos femininos.
A resposta ecoou até em atitudes de Matilda Lutz, que na mesma entrevista concedida ao Times, contou que na vida sempre tentou parecer forte e não se preocupar com o que as pessoas achavam do corpo dela. “Na praia, na rua, se um homem me via e inclinava a cabeça, caminhava para o outro lado porque tinha medo do que podia acontecer… Mas não mais”.
Um grande momento
Tiro ao alvo
Verdade, Luciano. Vamos corrigir.
Obrigada pelo toque! :)
O deserto fica no Marrocos