Crítica | Festival

Yuni

O próximo passo

(Yuni, INA, FRA, SIN, AUS, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Kamila Andini
  • Roteiro: Kamila Andini, Prima Rusdi
  • Elenco: Arawinda Kirana, Asmara Abigail, Sekar Sari, Marissa Anita, Dimas Aditya, Kevin Ardillova, Rukman Rosadi, Neneng Wulandari, Boah Sartika, Nazla Thoyib
  • Duração: 95 minutos

Yuni é uma adolescente na Indonésia que sonha em ingressar na faculdade, quando o desejo dos seus pais é pelo tradicional casamento de sua filha, com direito ao tal dote e tudo mais. Como é a aluna mais inteligente da escola, Yuni terá provavelmente uma certa tranquilidade no ingresso da vida universitária, mas Yuni não é um filme sobre educação, mas sobre como uma mulher hoje pode escolher o próprio destino em meio a tradições que insistem em colocá-la em papel antiquado de machismo histórico. Da apresentação já ousada com sua protagonista assumindo cometer ilicitudes, o filme em cartaz na 45ª Mostra SP sai também do lugar esperado que se desenha como problemático narrativamente para abrir o olhar a respeito de uma jovem mulher cuja única certeza é a de que deseja mais do que a sociedade impõe a ela.

Dirigido por Kamila Andini, que já tinha apresentado o bonito O Visto e o Não Visto, o filme passa ao largo do tema recorrente da Mostra desse ano, que está pintando inúmeros longas onde mulheres jovens são exploradas emocional, sexual e psicologicamente por todos os homens que a cercam, sejam eles pais, irmãos, namorados, vizinhos, patrões, o que forem. A protagonista criada por Andini ainda tateia no escuro dos desejos, criando uma rede de questionamento entre suas amigas que não tem o mesmo ímpeto que ela. Ao contrário de seu longa anterior, a diretora aqui passeia por espaços imagéticos mais seguros, apostando na força de seu roteiro; se não rebusca seus planos, também não enxuga deles uma certa força em sua paleta de cores.

Yuni
Cortesia Mostra SP

Yuni tem resistência ao roxo, ao mesmo tempo em que é apegada a ele, como se fosse a única signatária da cor. Andini então a cerca de elementos cênicos, figurinos, maquiagem, que remetam ao roxo ou criem paralelos a ele, como se o desejo e a repulsa da personagem fossem oriundos do mesmo lugar. Tratando-se de uma adolescente em processo de transformação e descoberta, essa escolha estética não poderia ser mais acertada; Yuni vive em um estado de constante desacerto, sem perceber que seus pensamentos a mantém em indecisão eterna. Através dessa contradição, a produção reforça o olhar para a adolescência como um período de transição onde todos os lugares parecem iguais, e igualmente negativos.

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A força que a personagem apresenta diante das adversidades, da opressão vigente na sociedade onde ela está inserida, acaba por diferir e criar uma situação particular ao próprio filme, que tem sim sua parcela de contribuição a essa narrativa recorrente que começa a não apresentar mais nada novo. Aqui, Andini cria uma protagonista com personalidade suficiente para driblar o lugar que é disponibilizado pra ela, e construir um destino particular, ainda longe do ideal, mas já destacado do feminino que o cinema tem tentado denunciar. Porque, fique claro, o que essas obras tentam é denunciar uma situação absurda e violenta; ok, foi feito. Agora a denúncia precisa reencontrar uma forma de recorte próprio pra esse quadro.

Yuni
Cortesia Mostra SP

Paralela a personagem central, o protagonista masculino também ganha curvas insuspeitas em sua construção da timidez e uma expressão exitante típica da idade, quando não temos certeza do poder que podemos emanar – falta confiança em ambos, e é a poesia que irá uni-los, por meios claudicantes. Graças ao desempenho de seus atores, esse casal exala química, mas o talento é muito evidente em ambos os casos, que precisavam de credibilidade em suas confusões emocionais. Os encontros entre eles são cheios de ranhuras, um inexplicável desacerto, mas cujas faíscas não se deixam esconder. Como nas melhores histórias, é muito fácil imaginar e torcer por um casal tão obviamente libertário quando juntos.

Kamila Andini se preocupa em dar um passo adiante ainda pouco visto no cinema. Yuni é uma jovem mulher que se recusa às tradições que cerceiam sua e qualquer outra liberdade. Suas escolhas estão feitas e serão cobradas, e Yuni é um movimento na direção oposta a um sistema que já aprendeu a reclamar seus direitos. Esse é um ponto de partida para sair da zona do debate e colocar em prática o que já pode ser realidade.

Um grande momento
A primeira vez de Yuni

[45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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