Zé

Filmes sobre ditadura militar ainda são uma espécie em falta no cinema brasileiro, por mais que sejam feitos. E vamos deixar claros que esse “por mais que sejam feitos” ainda são muito pouco feitos, principalmente nos últimos 10 anos, onde vivemos uma real ameaça (ainda que tresloucada – ou não) de estarmos mais uma vez com essas espreitas fascistas. Zé está na competição do Olhar de Cinema 2023 e tem uma chance de revisitar a história de José Carlos Mata Machado, que foi vice-presidente da União Nacional de Estudantes (UNE), perseguido durante os anos de chumbo. É uma figura central sob a qual ainda não tínhamos registro audiovisual de ficção em centralidade, e isso só corrobora a tese verídica de que nossa História ainda é pouco revisitada, de maneira geral. 

Rafael Conde tentava há mais de 10 anos concluir essa investigação em torno dessa personalidade, mais uma ceifada pelo regime ditatorial que o Brasil viveu por 20 anos. De início curioso, com o pai do protagonista discursando à meia-luz, Zé descortina essa zona sangrenta da nossa História, onde lutar por liberdade era assinar uma sentença de morte. A forma como o filme vai se inteirando dessa história não é oriunda de um dispositivo novo; já vimos esse tipo de abordagem em outros trabalhos biográficos, com algum esquema estabelecendo nossa conexão com a narrativa. Aqueles tradicionais saltos temporais utilizados de maneira padrão, para radiografar um jovem homem que esteve à frente de muitas batalhas. 

Tem ao menos um registro que empolga em Zé. Conde filma o corpo de seu protagonista sempre de maneira muito franca, sem esconder suas funções a cada cena; frequentemente se torna um conjunto na intenção de exercer sua liderança entre os seus, mesmo quando calado. O diretor pega seu ator e o coloca frontalmente de frente à câmera, narrando as cartas que envia para a mãe. É um recurso usado mais de uma vez no filme, que nos envia direto para o cerne do personagem, que desnuda seu emocional em momentos íntimos entre ele e a mulher que está longe dele. Quase levando até a personagem de Yara de Novaes uma espécie de aproximação distante, o protagonista estabelece um laço emocional com o público, quase indissociável. 

Infelizmente, não se trata de uma produção que exija muito mais significado de suas imagens que passem por outros lugares que não apenas esse. É um material de forte academicismo, quase uma edulcoração de uma estrutura antiga de realização, baseado em blocos que se comunicam através dessa interligação entre eventos isolados e estéreis. Os personagens vivem a maior parte do tempo isolados e incomunicáveis, e com isso a dinâmica fica truncada. Cartas. Uma gravidez. A doença do bebê. A chegada de uma nova personagem. Zé, um filme sobre a clandestinidade de um personagem atuante, se contenta em nos habituar somente com sua clausura, e tira do protagonista a ação que o tornou tão procurado e temido pelo Poder. 

Zé acaba se filiando mais ao campo do verbo que da utilização imagética da ação. Para um personagem que foi responsável por uma caçada a sua figura, é inconsistente que sua mais conhecida face seja a textual, exatamente nas leituras das cartas. A contradição é que o filme não se atém a narrativa, deixando o quadro dentro do clichê possível. Mesmo que Conde não privilegie a imagem, são planos que oferecem um dos trunfos da produção, em detrimento ao engessamento de sua estrutura. Além de estar fechado em si no quanto tem de antiquado, o filme ainda aposta em clichês como o do plano esfumaçado para enfatizar o passado. Isso tudo só denota o quão modesto, na verdade, é o resultado final, um filme que parece se contentar com sua própria humildade estética. Quando tenta abrir uma discussão narrativa, o filme acaba igualmente parecendo modesto demais ou falho demais, como quando um personagem passa a agir de maneira muito obviamente suspeita e todos, mesmo percebendo suas inconsistências, ainda permitem seu passe livre.

Vivendo de momentos isolados que não sustentam sua duração excessiva, como a convocação para as lutas dentro da fábrica, onde as mulheres não são ouvidas, Zé é um produto que não pretende algo além de contar aquela história com correção. Caio Horowicz (de Califórnia) empresta seu rosto para as fortes cenas das leituras das cartas, mas fora esses momentos isolados, ele ou qualquer outra pessoa não tem muito o que fazer para elevar um material que poderia ir além do esquema, mas que provavelmente não teve como ir. Para os amantes de História, vamos continuar devendo um material relevante sobre alguém tão crucial naquele momento terrível. 

Um grande momento
Chegando na casa do advogado

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]