- Gênero: Drama
- Direção: Mara Pescio
- Roteiro: Mara Pescio
- Elenco: Miss Bolivia, Irina Misisco, Lola Banfi, Gabriela Saidon, Sergio Prina
- Duração: 69 minutos
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Muitas vezes a premissa de um filme não é a coisa mais original do mundo. O que o torna realmente especial é o toque dado no trabalho imagético, na concepção de um universo, na conjunção de fatores que produzem uma textura significativa. O caso de Esse Fim de Semana, estreia nos cinemas da Pandora esse semana, vai por uma ideia que o cinema – e a arte, como um todo – explora quase desde a sua criação (“o retorno do filho pródigo”) e nos convida a uma odisseia de pertencimento a um espaço físico, a uma comunidade, a um estado de espírito que nos envolva. Do resultado de um grupo de componentes intangíveis, nasce essa experiência que ultrapassa a ideia de uma narrativa tradicional.
Mara Pescio estreia na direção de cinema depois de muitos anos e trabalhos apenas como roteirista de séries da tv na Argentina, e esse longa, coprodução com o Brasil, é uma obra que remeteria fácil ao olhar de uma veterana para as inter relações, para o urbano e para os objetos cênicos. É um trabalho de inspiração na sensorialidade de seus personagens, que convida o espectador a dividir com ele também aquelas movimentações e seus entreveros. Chama de olhar veterano porque sobre todas as cenas há um propósito rocambolesco que ultrapassa uma única motivação; por trás de seus planos, há uma intrínseca necessidade de comunicação profunda que ultrapasse a obviedade direta.
O cinema que Pescio entrega é aquele onde cada gesto é tão significativo porque remete em efetivo a uma nova possibilidade de compreensão a partir de uma análise mais profunda sobre cada um deles. Como a premissa é sutilmente exposta durante uma projeção veloz, sem aprofundar motivações e percepções específicas, o espectador por tantas vezes se sente a invadir um conflito adormecido, e se embrenhar em um conjunto de elementos do que significa, ao fundo, existir e arcar com as consequências de suas decisões – para os íntimos, vida. Pela vida central, corre Julia e seu retorno desgostoso a um ambiente de onde fugiu; ao seu largo, toda uma sorte de construções mecânicas de uma comunhão existencial.
Conforme a protagonista retorna à sua Argentina e retoma contato, ainda que de maneira tímida e desconfiada, com uma realidade que não é mais sua, o filme é subitamente invadido por uma efusividade que não pertence à Julia. Sua mudança e suas aspirações não deram certo, a melancolia está dando lugar ao desespero, e voltar à sua comunidade é a forma que Esse Fim de Semana tem de convidar sua protagonista à vida de volta. Com um viés que aproxima o filme do cinema documental, crianças e jovens (principalmente) estão em seus habitats naturais, cercados da ambiência característica deles. Há vibração espontânea na forma como a diretora filma os corredores do condomínio onde mora a família da protagonista, e a produção costura a esse cenário o máximo em naturalismo.
Esse mesmo recorte é aplicado em cada encontro pessoal, tanto com seus irmãos quanto com sua filha, com um antigo amor, e mesmo na relação paralela que o filme acompanha, entre sua filha Clara e Fernanda, a namorada da adolescente. São encontros cheios de arestas não aparadas visíveis, fazendo nascer em cena um desconforto diante de cada breve reunião. Essa linha tênue incômoda que está presente em cada um dos desses momentos é completo por atitudes de Julia que denotam seu descontrole e ainda a deixam em posição de eterna desconfiança, que o filme construiu no passado extra fílmico da narrativa para explodir na frente do espectador. Somos colocados diante da instabilidade que Julia permitiu nascer dentro de sua família e das relações que alicerçou naquele lugar.
À medida que suas reverberações se (mal) revelam, Esse Fim de Semana permite que a melancolia inerente a Julia se alastre a uma vizinhança que não é mais sua. Seu epílogo esperançoso tenta afastar do cerne da questão a falência da instituição família para compreender seus novos conceitos, mas não deixa de ser impactante que uma pessoa torne a aceitar os erros que a condenaram injustamente em prol de um arremedo de felicidade e realização que parecem, hoje, vãs. Como a nos lembrar que os esqueletos do armário estarão sempre à espreita, nos bons e nos maus momentos, mesmo dentro dos espaços mais comuns de convívio social.
Um grande momento
A visita ao parque