Crítica | Streaming e VoD

A Mãe

Cafonice a mil

(The Mother, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial, Suspense
  • Direção: Niki Caro
  • Roteiro: Misha Green, Andrea Berloff, Peter Craig
  • Elenco: Jennifer Lopez, Lucy Paez, Joseph Fiennes, Omari Hardwick, Paul Raci, Jesse Garcia, Yvonne Senat Jones, Gael Garcia Bernal, Edie Falco
  • Duração: 107 minutos

Não se sabe porque, mas Jennifer Lopez foi acusada durante muito tempo de ser uma atriz ruim. Ah, as muitas indicações ao Framboesa de Ouro contribuíram para essa fama, mas o fato de ser uma cantora extremamente popular também, de ser uma mulher muito bonita idem, e de ser latina numa indústria predominantemente xenófoba, inclusive. Digo que isso não deveria ser sabido, porque o primeiro protagonismo da atriz, no início de sua carreira, já foi um sucesso pelo qual ela conseguiu sua primeira indicação ao Globo de Ouro, Selena. No entanto, cada vez mais ela prova o contrário, ainda que em filmes de procedência muito duvidosa, como esse A Mãe, estreia da Netflix que já entra como uma promessa de hit; foi produzido com essa finalidade. Podemos reconfigurar esse thriller antiquado, ao escolher outro tipo de olhar. 

O filme é dirigido por Niki Caro, responsável por duas indicações ao Oscar para as atrizes principais de dois filmes seus (Keisha Castle Hughes, por Encantadora de Baleias, e Charlize Theron, por Terra Fria). Ainda que muitos de seus filmes tenham sido bem sucedidos, já faz algum tempo que Caro não é sinônimo de qualidade. Esse é apenas seu oitavo longa metragem, e o podemos dizer que o machismo nunca a deixou ter uma carreira consolidada, o que nos leva a Lopez e tudo que a cerca. Assim sendo, esse é um encontro que poderia beneficiar ambas, mas A Mãe nunca tenta ir além do enlatado feito para aplacar a sanha consumista dos pagantes ‘netflixianos’. Ao mergulhar no que ele tem a oferecer, descobrimos então que sua origem é ainda mais genérica: o thriller de suspense e ação dos anos 90. 

A Mãe (2023)
Eric Milner/Netflix

Ou seja, o destino de A Mãe é ser cafona mesmo, extremamente básico e repleto de clichês bem ordinários, da trilha sonora repleta de acordes esperados, sem qualquer sutileza, passando pelo conceito estético de borrar os cantos da imagem para representar o passado. Quando o espectador passa a aceitar que tudo isso é procurado pelo plano, que existe um propósito em insistir nesse filme pré-fabricado que não tem vergonha de ser o que é, podemos então relaxar e curtir o filme com a manufatura que ele de fato tem. Não há verniz no que é mostrado, mas tanto seus atores se dedicam ao que fazem sem pressão para descobrir algo inusitado, quanto a direção parece segura em mostrar o que um produto com essa ideia tão chapada de ambição. 

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E aí, o filme que poderia ganhar facilmente uma alcunha ‘ruim’ por uma leitura mais pobre, ao se assumir consciente do que é, ganha uma outorga de cinismo que combina com o que estamos assistindo. Aliás, esse é um dado que falta à linha genérica dos originais Netflix, compreender que a cretinice pode ser um lugar válido para estacionar uma obra, e mantê-la confortável ali. A Mãe recorre a tantos expedientes risíveis, como “as constantes partidas da protagonista para voltar logo em seguida”, que não tem como tudo isso não ser um ponto do propósito da produção. Criar esses ruídos com a análise narrativa, e com a construção do plano ao elaborar imagens absolutamente artificiais, permite com que uma ideia se propague para além do caráter popularesco de uma intenção. 

A Mãe (2023)
Eric Milner/Netflix

Isso é possível porque cada um dos dispositivos que o filme vai armando são repletos de rachaduras para a artificialidade, sejam nas linhas de diálogos, seja na utilização do CGI das cenas automobilísticas, seja na motivação dos personagens – alguns, simplesmente não têm qualquer uma. Um exemplo é o tipo vivido por Gael Garcia Bernal, que cai de paraquedas em cena sem ter o que fazer; é forjado um romance, o triângulo amoroso menos amoroso que já vi, e de repente o amor se transforma em tentativa de homicídio. Nada faz muito sentido, e é justamente na derradeira cena de Bernal que nos damos conta de que estamos no caminho errado a respeito do filme; quando adentramos outra reta, A Mãe muda de registro e se transforma em um parque de diversões de beira de estrada. 

É como se em determinado momento, entre motos em movimento que carregam crianças e uma invasão branca na neve, fosse acionado um entendimento mútuo de que algo ali fosse, enfim, permitido. Com a parceria entre Lopez – uma atriz reposicionada desde As Golpistas, ótima aqui – e Lucy Paez estabelecida (e a segunda é o coração da história), A Mãe consegue promover uma ideia de possibilidades junto a mediocridade. Não é mais sobre o que era gratuito ou feio, mas sobre o que aquela composição conjunta significava, e do vazio extrair uma diversão genuína. Do campo assumido de sua estética bagaceira, de suas conotações vazias, o que se extrai é uma ideia de espetáculo no meio termo entre o mambembe e o luxuoso, com a flecha apontada para todos. De quebra, o filme ainda metaforiza o nascimento entre a relação de mãe e filha à margem da violência, e sendo embebida por ela; se transformar construção de afeto através do nascimento de uma alma assassina não é algo a ser celebrado dentro de seu deboche, eu não sei o que é.

Um grande momento

“toda comida é fruto de violência”

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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