Crítica | Festival

Recovery

Rindo para não chorar

(Recovery, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Mallory Everton, Stephen Meek
  • Roteiro: Whitney Call, Mallory Everton
  • Elenco: Whitney Call, Mallory Everton, Julia Jolley, Anne Sward Hansen, Stephen Meek, Jessica Drolet, Baylee Thornock, Noah Kershisnik, Dora McDonald, Tyler Andrew Jones, Tori Pence, Marvin Payne
  • Duração: 80 minutos

Estávamos todos ali, vivendo nossas vidas normais. Saindo para trabalhar, fazendo happy hour com os colegas de trabalho, indo ao cinema, conhecendo gente na balada, fazendo as compras, guardando os pacotes direto no armário, sentando no sofá com a mesma roupa que tava na rua, recebendo os amigos pra uma festinha. Tudo normal até que um vírus surgiu Wuhan e foi se alastrando pelo mundo, com a ajuda de governantes irresponsáveis e cidadãos negacionistas e se tornou uma das piores pandemias da História moderna. A vida virou do avesso e a única solução é ficar, isolado, se prevenindo até que a vacina chegue. No começo, quando quase nada se sabia do vírus, o tal Covid-19, era pior ainda. Recovery é um filme dessa fase inicial, quando os números de casos e mortes dispararam e não havia qualquer expectativa de uma solução.

As protagonistas são Jamie e Blake, duas irmãs que têm a sorte e o azar de estarem isoladas juntas. Porque é horrível estar sozinho, mas é horrível ter sempre alguém junto. Coisas que só o coronavírus ensinou para todos. As duas são vividas pelas atrizes Withney Call e Mallory Everton, divertidíssimas — e também se divertindo muito — no papel. Elas ainda assinam o roteiro e apimentam sua trama simples com eventos que qualquer um pode identificar prontamente. Cenas como a desinfecção após a chegada do mercado, a parada no posto são ótimas.

Recovery, porém, é mais do que fazer rir com aquilo que todo mundo está passando. Seria fácil uma colagem de esquetes de 90 minutos com situações que viraram cotidianas e não estão no filme, mas poderiam: passar o álcool no vidro de álcool, por exemplo. A dupla não faz nada muito elaborado, mas cria um conflito pertinente: as irmãs precisam resgatar a avó que mora num lar de idosos. Os motivos vão se multiplicando ao longo da trama, um mais urgente do que o outro, e é difícil não se divertir com a sucessão de absurdos.

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Recovery

A produção, até pelas condições sanitárias do momento, é bem familiar. A direção é dividida por Call com seu marido Stephen Meek e as aglomerações são todas controladas. Por ter uma alma indie e um corpo de road movie, isso não é exatamente um problema, A estrutura da jornada de uma dupla, cheia de diálogos e rumo ao autoconhecimento segue todos os passos previstos, mas chega com a participação de gifs, ligações em viva-voz e chamadas de vídeo deliciosamente contraditórias. É como se o filme fizesse todo o seu caminho para dizer que, sim, estamos na merda, e ela pode ficar pior. Talvez o único jeito de lidar com isso seja rir da nossa paranoia, dos nossos absurdos, porque eles estão fazendo a gente enlouquecer e ter pesadelos com o cara daquela moto.

Ao fala de coisas banais, cotidianas, ao filme usa o humor para tratar de coisas sérias. Sem ser direto, fala de política e de como as coisas chegaram onde chegaram. Critica a disseminação de fake news e os comportamentos negacionistas que tanto fizeram para o descontrole da pandemia. Mais, insere isso no âmbito familiar, trazendo o conflito para dentro de casa, na reconstrução de uma realidade que todos estão tendo dificuldade de compreender e que remete a rupturas de relações que afetam as famílias de lá, daqui e do mundo desde o avanço da onda far-right.

Recovery é uma comédia precisa. Feita agora para o agora. Talvez não sobreviva muito bem fora desse contexto, se ele algum dia mudar. Porém, também não deixa de ser um retrato bem fiel daquilo que passamos nos primeiros tempos da doença, sem saber direito como lidar com tudo e como seria para se proteger. Roteiro afiado, duas boas atrizes e várias gargalhadas garantidas. É aquilo… rir para não chorar. 

Um grande momento
Pesadelos

[SXSW 2021 – Film Festival]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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