- Gênero: Drama
- Direção: Oualid Mouaness
- Roteiro: Oualid Mouaness
- Elenco: Mohamad Dalli, Fidel Badran, Gia Madi, Ghassan Maalouf, Lelya Harkous, Nadine Labaki, Said Serhan, Aliya Khalidi
- Duração: 100 minutos
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No clímax de 1982, o céu se torna o protagonista da produção. Todos os olhos, do elenco e do público, se voltam para ele, que já tem participação efetiva desde o início dessa estreia da semana nos cinemas. Os olhos estão no céu, canta o Alan Parsons Project, no rádio e nos créditos; nós entendemos a música ali, que tem outra conotação a partir do momento que o filme é libanês e se passa há 40 anos atrás, quando da invasão do país por tropas israelenses com a desculpa inicial de cessar ataques palestinos na área, durando três anos. Quando as crianças do filme começam a reparar na revoada de pássaros nunca antes vistos em sua escola, quando os aviões não cessam de cruzar o azul acima deles com um rastro de fumaça, o filme esquadrinha primeiramente de maneira poética a situação que une aqueles personagens durante aquele único dia, para em seguida trazer surrealismo a um título de onde não imaginaríamos surgir, criando um relevo acertadamente cinematográfico ao passado.
É a forma mais minuciosa e sensível a ser inserido um tema que infelizmente não sai do noticiário, mas que aqui não é tratado com qualquer sensacionalismo. Aos adultos, há o horror da guerra e o medo do futuro, a possibilidade das trevas estampadas em cada rosto. Ainda bem, 1982 é protagonizado pelas crianças, e o medo delas não é do futuro, mas do presente – com a exceção de Majid, que tem um “passado” recente ainda reverberando. Cada um desse quarteto de protagonistas mirins e seus acessos momentâneos ao exterior de suas micro vidas – os irmãos de Maijd e Wissam, por exemplo – é uma reafirmação da importância do agora para eles. Sabemos que para o jovem o futuro não existe, é muito distante; a dimensão do hoje é muito agigantada e cada atitude tomada nesse exato momento, não significa nada além do definitivo. Por isso todas as ações do filme (e da vida real) a esses personagens é tão decisiva, e tenhamos saudades desse imediatismo.
Essa é a estreia na direção de Oualid Mouaness, muito bem sucedido produtor de clipes de David Bowie, Rihanna, P!nk e Katy Perry, que captura com nuances duas vertentes de uma mesma substância dramática, tanto de soslaio para a mudança avassaladora da vida dos adultos, quanto o propositivo do instantâneo protagonizado pelos pequenos, cuja distância temporal se resume a um “até o verão”, logo ali. Mesmo iniciante, o autor não se concentra em resultados obtidos através do visual, o que poderia se esperar vindo de um profissional envolvido com o trabalho de apreciação direta da imagem. Existe o cuidado de construir seu plano e suas motivações visuais, mas isso não impede a qualidade da descrição do seu roteiro, que equilibra algumas motivações em curso ao longo de algumas horas e as coloca em rota de colisão com os eventos muito maiores que estão em curso de fundo. Mesmo os adultos, com a preocupação óbvia para o espaço histórico, também têm suas decisões iminentes prontas a acontecer.
Entende-se pelo curto espaço de tempo narrativo decorrido, o excesso de urgências. São apenas algumas horas, dentro de uma escola, quase que exclusivamente em uma única turma da quinta série, em dia de provas consecutivas. Ou seja, já seria um exercício de tensão, principalmente tendo em vista que as crianças são as protagonistas. Entre eles, o nascimento (e a inocência) de diversas histórias “de amor” – com ou sem aspas – revelando os profundos laços que unem ou pretendiam unir aqueles precoces indivíduos. É derivado desse coletivo a opção pela ótica onírica com que o filme arrisca arranhar, no qual se sai bem em grande parte das vezes. É um olhar sempre generoso, muito humano e verdadeiro, sem nunca pretender dissecar seus problemas, mas entendendo que, de acordo com aqueles pontos de vista, toda essa virulência que ocorre externamente no país, está se debatendo dentro de cada um deles, com a mesma pressa.
Na discussão entre os adultos, as diretrizes envolvem sim os problemas sócio-políticos, mas há uma ternura em ao menos uma história, o romance que é revelado em banho maria entre professores, desenrolando um nó diferente do que havia se apresentado em primeiro momento. Essa onda de terror que bate nos personagens mais velhos é compreensível, mas de alguma forma isso é uma chave que desequilibra 1982 e coloca o filme em um lugar mais facilmente reconhecível. Quando essa subtrama romântica mais velha invade o filme, mesmo esses personagens se enriquecem, e quando em sua última cena eles sorriem um para o outro, o filme se enche da mesma carga de excitação e esperança que cultivam as crianças, que nem atentam para a importância dos sonhos, e para a matéria do qual os sonhos são feitos. É aquela carga mágica de desejo, emoção e perseverança do que está por vir, que um dia será exatamente daquela forma, sem qualquer ameaça de término ou desacerto.
Não é exatamente um lugar de celebração da inocência ou do “amor em tempos de guerra”, ainda que existe uma coisa e outra, mas 1982 acaba por primar por escolher observar um conflito não “pelos olhos de uma criança”, coisa mais clichê possível, mas como desfocar o tema maior para um momento paralelo. Afinal, uma guerra sempre gera um símbolo de interrupção na normalidade das coisas; o que Mouaness permite é flagrar o último momento de tranquilidade dentro do núcleo exato onde o intranquilo chegará por último. Como se dissesse que ainda residirá na pureza daqueles olhos a miragem com a fantasia, mesmo que ela não nos salve, apenas proteja nossa última fagulha de inocência; a câmera do diretor continuará seguindo aquelas despedidas que ainda nem se conheciam como tais.
Um grande momento
Escrevendo na árvore