Crítica | Cinema

O Último Ônibus

(The Last Bus , RUN, EAU, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Gillies MacKinnon
  • Roteiro: Joe Ainsworth
  • Elenco: Timothy Spall, Phyllis Logan, Natalie Mitson, Ben Ewing, Patricia Panther, Steven Duffy, Saskia Ashdown
  • Duração: 85 minutos

Simplicidade é um conceito que geralmente me chama muito atenção na construção cinematográfica; quanto menos excessivamente elaborado, maiores são as chances de uma produção me ganhar. O Último Ônibus, estreia dessa semana nos cinemas, é um dos títulos mais simples que já vi serem produzidos – e podem botar na conta roteiros de Hong Sang-soo, e de orientais em geral, viu? Aqui a sinopse cabe em meia frase, e por ser tão sucinta, acho que vale menos a pena ainda comentar. Se a sua intenção for na direção de obras cheias de camadas, reviravoltas, cujos enredos sejam repletos de curvas, desconfio que não se trata de um filme para você. Mas se os seus intentos se cruzar com a placidez de acompanhar uma jornada tão exterior quanto interior de um senhor de quase 100 anos, não pense duas vezes. 

Gillies MacKinnon é um cineasta indo para os 40 anos de carreira, que já trabalhou com muita gente boa (de Judi Dench a Steve Martin, passando por Kate Winslet e Andie McDowell), mas que nunca aconteceu de verdade. Esse seu novo filme não deve mudar o quadro, mas ele segue produzindo coisas simpáticas que guardam bastante afeto em suas linhas. Creio que seja O Último Ônibus um desses títulos que fazem muito sucesso por aqui, com potencial para manter-se em cartaz por meses e meses, dado esse seu caráter sentimental que se comunica com o público que frequenta o circuito alternativo nacional. Mas temo que, o que vemos dessa vez, de tão suave e pouco potencial a desdobrar-se, caberia mais facilmente num curta metragem, com irrisória perda de conteúdo. 

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Um nonagenário viúvo sai de sua casa, de uma ponta do Reino Unido, até seu extremo oposto carregando apenas uma mala, e se locomovendo de ônibus por todo o trajeto. O motivo da viagem saberemos apenas no desfecho, e embora o filme não o revele antes disso, os flashbacks que ocorrem durante a travessia, dão o tom da produção e indicam algo parecido com o que vamos descobrir. É tudo ainda menos recheado do que essa reduzida sinopse apresenta, mas com boa vontade, encontramos singeleza durante a trajetória do personagem. Tom e Mary levaram vidas simples, e seu marido agora sozinho, apenas deseja completar uma missão que ele se incumbiu após a partida da amada. Ao longo do percurso, óbvio que ele vai viver desventuras, igualmente todas muito pequeninas.

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Por mais prosaicos que sejam muitos cineastas britânicos, como Mike Leigh, suas ditas comedidas narrativas geralmente giram em torno de um ponto-chave, que é desenrolado com muito cuidado até se revelar. Em O Último Ônibus tudo está dito em 10 minutos de produção, e o filme não caminha para além disso; se isso não é necessariamente uma questão que se configure como um problema, tampouco é sozinha uma qualidade. O que se percebe é que estamos diante de uma produção de “tiro” muito curto, evidentemente singelo e até tocante, mas que não tem textura para se desenhar além do que se vê. Cabe ao espectador se envolver naquele esforço sem igual de um homem tão idoso para concretizar uma última realização. 

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O grande chamariz de O Último Ônibus acaba sendo mesmo toda a corporificação de Timothy Spall na reprodução de um homem que tem idade de ser seu pai. Mais novo pelo menos 25 anos que o personagem, Spall (prêmio em Cannes por Sr. Turner e ator de uma lista infindável de filmes, como O Discurso do Rei e Spencer) encara esse desafio onde em apenas uma rápida cena tem a sua idade atual, para estar na maior parte do tempo no corpo desse homem que mais caberia ser vivido por um Robert Duvall, por exemplo. Como caiu no colo de Spall, acompanhamos (junto ao elenco do filme, literalmente) os desafios que o ator encontrou para condicionar seu corpo às dificuldades que ele enfrentará somente daqui há muitos anos. Muito mais do que seu rosto, é o corpo de Timothy Spall o grande astro dessa jornada delicada de um homem através dos desafios do tempo. 

Um grande momento

A chegada de Tom no porto

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Claudeci Martins de Assis
Claudeci Martins de Assis
03/06/2023 11:11

Instigante sua crítica. Simplicidade nas palavras e profundidade no pensamento. Conduziu a jornada do personagem com pontos e contrapontos afiados ao delinear a qual expectador o filme se destina. Me fez lembrar Machado de Assis. Gostei especialmente de: …guardam bastante afeto em suas linhas; …não tem textura para desenhar além do que se vê.Irei acompanhar a placidez da jornada do Último ônibus. Se não gostar, já sei, ganho um piparote.

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