Crítica | Festival

7 Cortes de Cabelo no Congo

Países entrelaçados

(7 Cortes de Cabelo no Congo, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Luciana Bezerra, Gustavo Melo, Pedro Rossi
  • Roteiro: Isabel Joffily, Pedro Rossi
  • Elenco: Fernando Mupapa
  • Duração: 90 minutos

A ironia no título de ‘7 Cortes de Cabelo no Congo’ (ou seria um trocadilho muito simpático?) já joga uma carga de sinuosidade muito bem-vinda na produção. Isso porque, a partir do segundo corte de cabelo do título, percebemos que o tal Congo em questão se trata de um salão de bairro em Brás de Pina, subúrbio do Rio de Janeiro. Sua localização no título – e até fora dele, metaforicamente falando – se dá por um retrato da diáspora, que começa na atualidade e vai se enraizando muito rapidamente pela produção. É uma forma carinhosa de estabelecer junto ao público uma conexão junto aos seus personagens, mas muito mais que isso; não estar geograficamente no Congo, mas em uma extensão dele em formato de espaço emocional, nos joga diretamente a essa dualidade de encontro. A cada nova chegada de personagem, um reflexo do país de hoje, de ontem e do amanhã. 

Em sete encontros, Mestre Pablo se coloca politicamente em postura mais evidente do que muitos líderes mundiais. Sua propensão ao debate é louvável, principalmente no que concerne à sua atividade. Entre tesouradas e borrifadas d’água, o cabeleireiro explicita a História do Congo, a destruição histórica pelo qual passou, os eventos que levaram a ascensão de inúmeras guerras civis e dos genocídios (sim, infelizmente no plural) ao longo dos tempos. O discernimento e a visão política tanto do personagem central quanto de seus “entrevistados” dá a dimensão de como é viver em um país/continente cuja exploração promoveu crimes jamais esquecidos por uma população obrigada a emigrar para não morrer. Ainda assim, são diálogos absolutamente impressionantes. 

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Divulgação

A dinâmica do projeto está inteira no título, tirando a já explicada picardia com o Congo. Assinado pelo trio Gustavo Melo, Luciana Bezerra e Pedro Rossi, o filme é uma produção que nunca deixa de transpirar os seus dois países – o que está fisicamente em cena, e o personagem central aqui, uma nação – até pela forma como suas histórias dialogam. O gesto de intercalar esses dois lugares, dois continentes diferentes unidos pela exploração física e cultural, é reafirmar uma das muitas camadas de influência africana à brasileira, no que tem de positivo e nos piores momentos. Através da afirmação expressa na conexão, ‘7 Cortes de Cabelo no Congo’ não desvia seu jogo cênico, que de maneira compacta, acaba por rechear duas realidades muito próximas de mesmos significados.

O encontro com Mestre Pablo, que é artista e foi militar antes de trabalhar com estética no Brasil, é um motivo de transformação para o público. Como os melhores esbarrões podem ser, o interlocutor abrange situações tão díspares quanto os mais de 12 milhões de mortos em sua terra com o espanto do diretor com o Flamengo – sim, o time. O filme traduz esse homem em figura ímpar através do tanto que ele se impõe em seu discurso, seja cantando e mostrando nova faceta ou seja refletindo as muitas violências do passado com a mesma perseguição que ainda hoje se dá. É também um atestado de inteligência ao projeto entender que esse homem não pode ser amarrado ou adestrado pela imagem; seu corpo flana de maneira irregular, sempre espinha dorsal do plano, mas provando a todo momento ser maior que o mesmo. 

Indo parar tanto em uma improvável aula sobre as relações entre paquistaneses e talibãs quanto em um novo e terrível encontro com os velhos navios negreiros ainda funcionais, Pablo é uma força motriz evidente sem jamais apagar o papel de cicerone do que está de fato sendo ouvido, que é a trajetória de sua terra natal. Sua voz eloquente está a serviço de reforçar esse rastro de destruição ainda vivido por países que foram colonizados, e a força do que é realizado em direção está na leitura daqueles corpos negros de maneira sempre positiva e empoderada. Ainda que estejam longe de casa de maneira compulsória, a visão do filme nunca é de derrotismo ou miserabilismo. Pelo contrário, ao situar sua defesa de tese em um espaço que redefina estética pessoal, o filme empodera homens e mulheres, no quadro geral ou na visão mais particular do debate.

Um grande momento
O segundo corte.

[11º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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