Crítica | Festival

Paterno

Negócios de família 

(Paterno, BRA, FRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Marcelo Lordello
  • Roteiro: Marcelo Lordello, Fábio Meira
  • Elenco: Marco Ricca, Gustavo Patriota, Thomas Aquino, Rejane Faria, Nelson Baskerville, Selma Egrei, Fabiana Pirro
  • Duração: 110 minutos

Vamos tirar do meio da discussão os paralelos que podem surgir entre ‘Aquarius’ e ‘Paterno’, o novo filme de Marcelo Lordello assim de cara. Sim, a especulação imobiliária mostrada na região litorânea de Recife é o ponto focal dos dois títulos, movimento verdadeiramente existente na região. A partir daí, seus enfoques e suas vibrações tangenciam diferentes cinemas, um sem emudecer o outro. O cinema que perpassa tensões regido por Kleber Mendonça Filho em sua filmografia, não é uma voltagem pelo qual o diretor de ‘Eles Voltam’ se aventure frontalmente. Estão na ordem do dia alguns elementos/movimentos traçados pela dramaturgia de seu roteiro que o diferenciam do cinema mais evidente produzido hoje em Pernambuco. Nem melhor nem pior que o mais evidente cinema pernambucano dos últimos 20 anos, apenas diferente. 

O enfoque do roteiro escrito por Lordello e Fabio Meira (de ‘As Duas Irenes’), com Letícia Simões (‘Casa’) também participando do projeto, é um jogo de personagem que avança rumo desenfreado a uma situação quase mafiosa. O filme parte de um pressuposto de instabilidade representada para as cenas iniciais, um encontro recheado de cobrança entre especuladores e vítimas. Com uma câmera que parece reproduzir o desgaste emocional pelo qual está vivendo seu protagonista nesse momento, a câmera de Bárbara Alvarez acerta no tom ao introduzir a câmera na mão para esses pontos de abertura. Sérgio é seguido por essa imagem instável que o encapsula em uma zona de convergência de muitos interesses diferentes, que transformam seu protagonista aos olhos do espectador, acostumados com o maniqueísmo. 

Essa discrepância da fotografia trepidante com a arquitetura, a profissão de Sérgio, é um dos muitos acertos de ‘Paterno’ em suas decisões estéticas. A luz da mesma Alvarez também encerra o protagonista em uma penumbra cada vez maior quando está sozinho, constantemente envolto em penumbras, funcionam. A direção de arte segue uma proposta muito sólida de leitura desse tipo central; apesar da aparência, o filme não é um estudo de personagem tradicional, mas um organismo vivo e enorme que apresenta Sérgio através dos seus entes, também. Como se trata de um grupo familiar opressor, os cenários são substituídos em importância pelos planos mais fechados, que evocam o efeito desejado. Afora isso, é também um filme sobre o espaço urbano e seu consequente pedido de socorro, representado no acertado travelling onde o grupo de prédios espreme a natureza das cidades.

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No arranjo familiar observado, estamos diante de um grupo com tendências altamente mafiosas. No meio desse núcleo, temos uma parábola sobre o homem de meia idade em crise. As formas de resolver essas potenciais crises são as que eles mais alcançam, o sexo propriamente dito ou uma realização profissional, geralmente tardia. Sérgio se encaixa na segunda citação, em sua ânsia em mostrar serviço dentro de um quadro de reconhecida mesmice. Aos poucos percebemos como esse é o mote central oculto de ‘Paterno’: as relações eternamente conflituosas entre pais e filhos, e a eventual descoberta de uma pressa para prospectar o futuro, que parece não esperar. Universal e eterno, também já vimos tantos filmes antes sobre, mas aqui as coisas parecem ser um pouco mais sombrias na tentativa de responder perguntas fundamentais. 

Conduzindo tudo, Marco Ricca reafirma sua posição como um dos melhores atores do cinema nacional na atualidade. É um acerto infinito todas as suas escolhas, desde o sotaque muito suave até a postura mais pra omissa que para combatente. Esse olhar muito mais introspectivo desenha uma novidade em seu espaço, e o cinema passa então a contar com uma nova camada (ainda pouco explorada) de Ricca. Ao seu lado, ao menos duas pessoas deixam impressões muito intensas, Selma Egrei e Thomas Aquino; são personagens coadjuvantes que seus talentos pesam positivamente na produção. Rejane Faria e Claudia Assunção também têm pouco tempo em cena, e igualmente catalisam a tragédia iminente que se forma ao redor dessa família. 

É uma versão amarga a respeito do futuro, e da forma errante com que lidamos com a vida. Sem evidenciar para o resultado final esses tais elementos que poderiam descaracterizar a produção, ‘Paterno’ mostra que talvez uma guerra geracional talvez não seja necessária. Escolher as guerras que valem a pena lutar e tentar fugir da gradual transformação que passaremos, nos transformando nas pessoas que mais tememos – e muitas vezes, não queiramos essa possibilidade mesmo remota: nossos pais.

Um grande momento
‘Essa porta é blindada?’

[11º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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