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Tabu

36ª MostraDrama
Direção: Miguel Gomes
Elenco: Teresa Madruga, Laura Soveral, Ana Moreira, Henrique Espírito Santo, Carloto Cotta, Isabel Muñoz Cardoso, Ivo Müller, Manuel Mesquita
Roteiro: Miguel Gomes, Mariana Ricardo
Duração: 119 min.
Nota: 10 ★★★★★★★★★★

(Tabu, POR/ALE/BRA/FRA, 2012)

Nem todos os elogios e rasgações de seda são capazes de diminuir o impacto de Tabu. Contrariando a tese de que altas expectativas geram grandes frustrações, o filme do diretor português Miguel Gomes consegue tirar do espectador as certezas com que entrou dentro da sala e (re)construir um envolvimento que vai além do que se esperava. Cinema de primeira qualidade e uma viagem emocional, Tabu homenageia o cinema e o melodrama passando por histórias de colonização, avanço da idade, preconceito racial, religiosidade, solidão e mais. Não é pouca coisa para conseguir juntar em um único filme.

Dividido em duas partes, assim como seu homônimo dirigido por F. W. Murnau em 1929, o longa vai sendo construído junto com as descobertas de quem o assiste e, como num quebra-cabeça, a história só consegue ser visualizada depois que a maioria das peças está encaixada. Na primeira parte, Pilar, uma solitária mulher acompanha no cinema a história de um triste caçador em terras africanas que busca desesperadamente superar sua dor, sem sucesso. Pilar queria uma vida diferente da que tem, procura algo que ainda não encontrou. Em seu cotidiano, há uma presença constante, a vizinha idosa Aurora, que, também solitária, tem problemas com jogo, uma relação difícil com sua empregada e há muito não vê a filha que mora fora do país. Na segunda parte, voltamos à Africa, para contar a juventude de Aurora através de Ventura, seu frustrado amor.

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Mesmo alternando no tempo e passando por histórias que nem sempre se ajustem umas a outras, Tabu consegue fazer sentido em si mesmo e funcionar confortável e circularmente, causando no espectador uma nostalgia do que acabara de ver mesmo antes de sua conclusão.

Experimentador que é, muito se deve à ousadia do seu realizador. Miguel Gomes brinca com as possibilidades de se contar uma história e, em um mesmo filme, mistura trova e literalidade, confunde os focos narrativos e foge do óbvio quando conta uma história e, crente na capacidade do espectador, sabe que pode mostrar algo diferente do que está sendo dito, complementando e enriquecendo visualmente a narração. É como se ele criasse uma espécie de filme mudo falado e, ao mesmo tempo, aproveitasse para reproduzir  aquela imprecisão da memória longínqua na tela.

Abusando das ferramentas que o cinema oferece, a história também é dividida visualmente. Optando pelo preto e branco, numa contraposição entre Portugal e África, juventude e velhice, a belíssima fotografia de Rui Poças sabe alternar entre enquadramentos estáticos e uma câmera mais livre, entre o close-up, muitos planos fechados e alguns abertos e até entre bitolas. A primeira parte é filmada em 35mm e a segunda em Super 16mm.

Se em forma está tudo no seu devido lugar, em conteúdo pode-se dizer o mesmo. Gomes brinca a colonização portuguesa da África ao explicitá-la da maneira pasteurizada, como uma África branca, onde os negros nativos são apenas coadjuvantes e tudo que chega é muito diverso do que realmente aconteceu e deixou marcar. Ele ainda acha espaço para abordar um outro tipo de colonização, colocando no meio dessa África colonizada, uma banda de portugueses colonizadores que faz sucesso com seus covers de músicas do outro lado de uma outra terra também colonizada.

Passando pela solidão que chega com a idade, a demência, o abandono e a incompreensão; pela percepção da vida e das pessoas; pelas marcas de tragédias passadas e chegando a uma história de amor recheada de (bom) melodrama e com a qual é difícil não se envolver, o diretor faz de seu filme irônico e melancólico quase um coletivo de muitos outros filmes, mas que se combinam perfeitamente.

Cinema raro nos dias de hoje em todos os aspectos e profundidades, Tabu faz com que Miguel Gomes se reafirme como um dos grandes realizadores da atualidade e, talvez por isso, já tenha merecido uma programação especial com suas obras na Mostra de São Paulo.

É uma experiência obrigatória.

Um Grande Momento

São muitos grandes momentos, mas a cena no cinema em que Pilar assiste a um filme com seu amigo demonstra tão bem a subjetividade do cinema que merece um destaque.

Links

IMDb [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=l0aafiQJcmg[/youtube]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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