(You Were Never Really Here, GBR, FRA, EUA, 2017)
Lynne Ramsay é uma artista muito interessada na construção de sensações e sentimentos por meio da elaboração estética, com marcações visuais e sonoras potentes. Cores, planos, distribuição cênica de elementos, trilha ocasional: tudo é usado de modo consciente, mas nem sempre eficiente.
O trabalhar de sensações permite uma maior liberdade ao abordar narrativas menos concretas e mais sensoriais, uma maneira mais independente de dar profundidade a seus personagens, e também, fazer com que narrativas mais quadradas encontrem um novo local de desenvolvimento.
Em Você Nunca Esteve Realmente Aqui, é essa união de duas abordagens que faz a diferença. Enquanto o sensorial e aleatório dá conta da personalidade de seu protagonista; há uma trama concreta e até bastante simples, que conduz o filme: Joe é um matador de aluguel contratado por um senador para resgatar sua filha. A criança fora sequestrada por uma quadrilha de traficantes sexuais que atende outros políticos. A ação de resgate, regada a muita violência, segue um caminho bem tradicional de thrillers do gênero, mas encontra o seu diferencial logo nos primeiros minutos.
Ramsay estabelece esses dois universos distintos e encontra um meio de fazer com que ambos funcionem bem juntos. As interações e o desenrolar da trama são os esperados, mas a exposição do interior dos personagens, em especial de Joe, modificam o ritmo e acrescentam à experiência. Para isso, a diretora altera e interrompe a linearidade de sua história com muitos flashbacks incompletos e quase nunca fechados, que dão conta da jornada daquele homem – em experiências traumáticas em casa, como policial e na guerra – até se tornar um assassino profissional.
De alguma maneira, ao conhecer Nina, e passar por situações inesperadas, Joe reconhece sua própria perturbação e se vê refletido nos traumas da menina. Algo que a diretora explícita nos subterfúgios que ambos utilizam para fugir de seus momentos mais apavorantes.
Joaquin Phoenix, mantendo sua qualidade habitual, internaliza toda a depressão e falta de perspectiva de seu personagem. Do cotidiano mecânico, inclusive nas muitas insinuações suicidas, às interações menos programadas com a mãe ou com o assassino que morre em sua cozinha, há uma verdade inegável e que contraria, de maneira positiva, o distanciamento causado pela forma de Ramsay.
O apuro estético – algo obsessivo e marca do cinema da diretora – está em todas as cenas de Você Nunca Esteve Realmente Aqui. Embora algumas sequências tenham qualidades inegáveis, como aquela que une imagens de câmeras de segurança de diferentes andares do cativeiro e destaca os soluços sonoros da música ambiente, a falta de comedimento cria uma artificialidade que afasta. Tudo é pensado e estudado demais, o tempo todo, e ser algo tão evidente nem sempre funciona
Ainda assim, é curioso perceber a transformação de uma história já muitas vezes vista no cinema, que apresenta elementos batidos dos filmes de resgate (os dilemas do matador, a identificação com a vítima, o dever de cuidar) em algo imagética e sensorialmente diferente. Em um filme mais equilibrado e eficiente que seu último longa-metragem, Precisamos Falar Sobre Kevin, Lynne Ramsay encontra um caminho para, unindo elementos comuns e particulares, deixar sua marca. Há ação e indivíduo na mesma medida.
Um Grande Momento:
A busca no edifício-cativeiro.
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Crítica originalmente publicada na revista Lume Scope.