Crítica | FestivalFestival do Rio

Eleições

(Eleições, BRA, ano)
Documentário
Direção: Alice Riff
Roteiro: Alice Riff
Duração: 100min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

Na primeira cena de Eleições, um professor de Sociologia indaga seus alunos a respeito do principal evento político do país em 2018, a escolha de um novo presidente da República, para, em seguida, conduzi-los à reflexão sobre a importância de um pleito bem menos ambicioso, mas igualmente mobilizador: a eleição do grêmio estudantil da escola. Esse movimento do macro ao micro, anunciado de início, define com precisão as intenções do documentário de Alice Riff. Num contexto de desencanto com as instituições e ascensão conservadora, a diretora encontra na dinâmica eleitoral protagonizada por adolescentes de uma escola pública de São Paulo doses consideráveis de alento, espécie de sopro de esperança de que a luta política continua, ininterrupta e vigorosa, em âmbitos mais efetivos nas vidas das pessoas.

O que não significa que haja idealização. Ao levar sua câmera para os espaços da Escola Estadual Doutor Alarico Silveira, no bairro da Barra Funda, Riff capta também problemas típicos da educação pública brasileira: as relações tensas com a Polícia Militar, acusada de frequentemente atuar com violência contra alunos, o autoritarismo e o despreparo da direção par lidar com demandas adolescentes, mesmo os efeitos políticos da penetração de valores neopentecostais na escola (uma das chapas concorrentes ao grêmio é encabeçada por um estudante influenciado pela igreja que frequenta).

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Nesse sentido, Eleições lembra o ótimo Camocim, de Quentin Delaroche, que também observa os meandros de um processo eleitoral, tendo como protagonista a coordenadora da campanha de um candidato a vereador numa cidade do interior do Recife. Delaroche e Riff encontram motivações e práticas que podem se distanciar de uma noção ideal de política, mas que não anulam os efeitos produzidos pela participação em movimentos coletivos. No caso de Eleições, a organização das chapas, as reflexões sobre os problemas da escola, a sensação de pertencimento a um grupo que se mobiliza em prol de melhorias para um todo, extrapolando a relação individualizada geralmente estabelecida com o espaço educacional.

A diretora também aproveita muito bem um componente humorístico presente na faixa etária predominante entre os personagens do filme. Especialmente as intervenções de duas estudantes como repórteres, entrevistando colegas e noticiando o passo a passo das eleições, geram cenas engraçadíssimas. O espírito de “zoeira” no qual elas estão imbuídas, acrescido do carisma que possuem, torna tais momentos irresistíveis. Mas há também as inserções dos vídeos produzidos pelas chapas, igualmente divertidas e reveladoras dos valores que as diferenciam: a pura galhofa de uma, o engajamento em bandeiras das minorias sociais de outra, o recurso a mensagens positivas genéricas de uma terceira, a preocupação com uma forte identidade visual da quarta.

O uso dessas outras formas de registro, no entanto, acaba comprometendo a existência de uma unidade estética em Eleições. Riff pretende construir um documentário de observação direta com sua câmera, mas logo introduz as personagens das “repórteres”, cuja presença na narrativa ao menos é equilibrada. Há então as entradas específicas, únicas, das vinhetas das campanhas e de um vídeo feito com câmera de celular, denunciando a violência policial na escola. Por fim, numa sequência de debate entre as chapas, a própria diretora se permite aparecer em cena, fazendo uma pergunta aos concorrentes.

Lembra algumas escolhas de O Processo, especialmente quando Maria Augusta Ramos rompe com seu método puramente observacional para inserir notícias televisivas com o objetivo de reforçar o drama vivido pela senadora Gleisi Hoffman e a gravação de um áudio que acentua sua interpretação crítica do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Riff cria, portanto, um filme pouco coeso, ainda que bastante eficiente no intento de valorização da ação política no espaço escolar, como O Processo foi na denúncia da injusta derrubada da presidente.

Um Grande Momento:
A quebra da quarta parede.

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[Festival do Rio 2018]

Wallace Andrioli

Wallace Andrioli é crítico de cinema e historiador, apaixonado pelos filmes de Alfred Hitchcock, Billy Wilder, Clint Eastwood e Edward Yang.
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