Drama
Direção: Murilo Benício
Elenco: Lázaro Ramos, Débora Falabella, Stenio Garcia, Luiza Tiso, Augusto Madeira, Otávio Müller, Fernanda Montenegro, Amir Haddad, Marcelo Flores, Arlindo Lopes
Roteiro: Nelson Rodrigues (peça), Murilo Benício
Duração: 98 min.
Nota: 7
O ser humano, em suas contradições, tabus, desejos e perversões, foi o centro da obra de Nelson Rodrigues. O cronista e dramaturgo revolucionou o teatro e marcou a literatura brasileiros na construção de personagens e de tramas que expunham aquilo que a moral e os bons costumes tratavam de esconder para fingir que não existia. Entre os anos 1940 e 1960, Rodrigues falou da mulher e do homem, das relações humanas e da sociedade brasileira, com todas as suas mazelas e contradições.
Características perenes, voltar à sua obra é sempre pertinente, pois, por mais que o tempo tenha passado, tudo cabe a eventos atuais. Ao trazer às telas uma nova adaptação da peça O Beijo no Asfalto, Murilo Benício, em sua estreia na direção, já contava com essa segurança. Mas ele se resguarda ainda mais no processo ao escolher um elenco que tem uma forma muito particular de se apossar e transformar aquelas palavras. Em cena, Fernanda Montenegro, Lázaro Ramos, Débora Falabella, Otávio Müller, Augusto Madeira, Luiza Tiso e Stenio Garcia.
Para completar a experiência com a forma, onde se encontra a distinção na obra do diretor estreante, o responsável pela direção de fotografia é Walter Carvalho, em preto e branco, com um ótimo trabalho de espaço e luz e configuração de planos, como lhe é característico. Benício estava, então, seguro para buscar a diferença, aquela que seria a sua marca, e ousou na integração entre cinema e teatro.
Ainda que tenha uma certa quebra no final, quando apela para o voiceover e uma cena que, a despeito da entrega dos atores, acontece num tempo muito diferente do que a que a antecederam, há tantos acertos e interesses despertados, que isso pode ser relevado.
Murilo Benício provoca com uma história que fala da manipulação pela mídia – nada mais atual – e estabelece conexões, com comentários ocasionais de Amir Haddad, o responsável pela condução da leitura, e Montenegro entre presente e passado, ficção e realidade. O diretor brinca o tempo todo com os contrastes. Aquilo que começa com uma mesa redonda e a exploração e criação dos atores, transforma-se em cenas já montadas; os ambientes confundem-se entre espaços cênicos e reais; o que o texto traz é contextualizado com fatos da primeira montagem.
A construção formal faz com que o conteúdo seja engrandecido, por mais que haja um distanciamento real entre a ficção e a realidade. Aquilo que se transporta intacto através das décadas, voltando aqui à característica mais marcante da obra de Nelson Rodrigues, encontra a identificação. A homofobia, o machismo e a manipulação não envelheceram, e repetem-se em frases e eventos como aqueles que se sucedem na trama. O mesmo pode ser dito das próprias percepções de uma classe que encontra-se num local privilegiado de acesso e com um viés ideológico mais homogêneo. Há nesse novo O Beijo no Asfalto, além da constatação de permanência nos costumes sociais, toda uma postura nos meandros da existência da própria arte.
É nesse encontrar do presente, da vida e da arte, que está a força da adaptação de O Beijo no Asfalto. Se, a princípio, tudo estava encaminhado para um bom resultado, com as melhores escolhas, esse costurar de realidades e ações complementa a experiência, dando a ela uma exclusividade nem sempre presente em adaptações. Sem dúvida, uma excelente surpresa. E um resgate bem importante de uma obra sempre atual.
Um Grande Momento:
Dona Matilde.
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