Animação
Direção: Josh Cooley
Elenco: Tom Hanks, Tim Allen, Annie Potts, Tony Hale, Madeleine McGraw, Christina Hendricks, Jordan Peele, Keanu Reeves, Joan Cusack, Laurie Metcalf
Roteiro: John Lasseter, Stephany Folsom, Andrew Stanton
Duração: 100 min.
Nota: 9
Josh Cooley dirige a quarta parte e provável último capítulo da saga dos brinquedos que ganham vida quando ninguém está olhando e encanta plateias do mundo inteiro desde o século passado. Indicada ao Oscar pela animação, a Pixar pode fazer novamente história caso Toy Story 4 vença na categoria no próximo domingo. Mas, independentemente da validação da indústria, o filme representa o fim de uma era no estúdio da lâmpada saltitante, ao mesmo tempo em que aponta um caminho instigante com histórias mais plurais e complexas que devem chegar às telas nos próximos anos, fruto da gestão de Pete Docter, iniciada em 2018, após a saída de John Lasseter depois de acusações de assédio.
Mas vamos voltar ao quarto de Andy – no caso, o quarto da fofa Bonnie, atual proprietária dos brinquedos mais queridos da ficção. Donos de frases marcantes como: “Amigo estou aqui”; “Ao infinito e além!”; “Tem uma cobra na minha bota”; “Eu sou um brinquedo? Não, eu sou lixo!”. Woody, o heroico cowboy de pano com arguto senso de responsabilidade e liderança continua sendo o coração da história, junto do astronauta Buzz, a cowgirl Jessie, os dinossauros Rex e Trixie, a senhora e o senhor Cabeça de Batata, o Porquinho, o shakespeariano Espeto, Dolly e o unicórnio Buttercup. Agora porém ele está começando a perder seu recheio de algodão pois está jogado dentro do armário. Bonnie enfrenta novos desafios no jardim de infância e está mais focada em fazer amigos, além de passar para Jessie o posto de xerife da cidade da fantasia onde brinca. Woody tem dificuldades em aceitar o revés e tenta de todas as maneiras, docemente, mostrar que ainda é útil.
A música de Randy Newman continua incrível, com novas canções como “I Can’t Let You Throw Yourself Away” e “The Ballad of the Lonesome Cowboy” com todas as condições de disputarem e ganharem premiações não só por serem excelentes como por servirem como um instrumento diegético importante na condução da história, especialmente nas interações entre Woody e Garfinho, o novo personagem, um garfo transformado em brinquedo/companheiro por Bonnie em sala de aula. Com tendências suicidas, ele se torna uma tarefa do leal cowboy, que a qualquer custo quer mantê-lo por perto da menina. As desventuras da dupla levam Woody a um reencontro inesperado mas muito bem vindo, quando ele vislumbra um abajur conhecido na vitrine de um antiquário.
Andrew Stanton assina a história original somando-se, no décimo tratamento do script, a roteirista Stephany Folsom ao grupo, quase sempre exclusivo dos homens – a animadora Rita Hsiao foi corroteirista de Toy Story 2. E o interessante é que Stephany entra na produção para substituir dois roteiristas: o comediante Will McComarck e a também atriz Rashida Jones, que alegaram diferenças criativas. Fato é que ela empresta uma boa perspectiva a história que tem a pastora Betty como a veia pulsante de seu coração. Afinal ela sempre foi a paixão do querido cowboy de pano e desde o filme de 2010, havia sumido.
A verdade é que Betty é uma boneca de porcelana que pertence a um conjunto de luminária, não sendo necessariamente um brinquedo, mas tendo um papel fundamental na vida da irmã caçula de Andy, Molly, como bem lembra Woody quando se reencontram. Betty está mudada após anos sem uma criança, vivendo junto a outros brinquedos perdidos num parque de diversões. E é realmente genuína a maneira como ela divide o protagonismo nesse capítulo da história, sem parecer algo forçado apenas para se conectar a era do #Metoo.
Stephanie reconta em entrevista ao site IndieWire como Michael Ardnt fez um trabalho visionário ao fechar o ciclo da história de Woody/Andy em Toy Story 3, mas que ela sentia que era possível expandir o enredo a partir de Woody numa abordagem mais existencialista. Restava que o “Brain Trust” da Pixar – o grupo formado pelos cabeças já citados do estúdio e que tomam as decisões criativas de cada projeto – confiasse que ela fosse capaz de trabalhar novos elementos e demonstrar como, em qualquer estágio da vida é possível redefinir seu trajeto, descobrir um novo propósito e buscar a felicidade.
Ao querido cowboy, somam-se os dilemas quando ele precisa resgatar garfinho do antiquário da cidade antes de Bonnie partir com os seus pais – e o resto dos brinquedos – para casa. Nesse momento Toy Story 4 pode provocar a sensação de déjà vu ao trazer como antagonista desse capítulo a boneca Gabby Gabby – uma mistura do urso Latso e do Stinky Pete – que é ressentida por nunca ter tido uma dona. Aparentemente vingativa, ela e seus assustadores capangas bonecos ventríloquos perseguem os herois por boa parte do segundo ato do filme. Mas eis que existe redenção para a boneca, perdida e que graças ao auxílio de Woody e Betty descobre o que é ser amada por uma criança.
A saída de Lee Unkrich da Pixar em 2019, que era a quarta mente por trás de todas as grandes criações do estúdio – além de Lasseter, Andrew Stanton e Docter – sendo este seu último projeto, imprime uma melancolia e tom de despedida bem característicos à história. Afinal, é preciso seguir em frente e se aventurar além do horizonte. Woody perdeu seu propósitos junto a Bonnie mas isso não significa que ele deva simplesmente desistir e ficar pegando poeira no armário. Junto da pastorinha, de suas ovelhas e de novos amigos como o hilário duque caboom o cowboy entende que uma nova aventura está em curso. Ele passa a resgatar brinquedos perdidos ou descartados além de ajudar eles a encontrarem crianças para chamarem de suas.
A lição de irmandade, de como precisamos amar a nossa criança interior e buscar o propósito das nossas vidas (tema central em Toy Story) ganha um desfecho poético e profundamente acertado. As lágrimas de alegria se somam à sensação de que a vida continua, que existem um mundo a se desbravar, que as crianças crescem e se tornam adultos melhores a partir do afeto e do amor que experimentam. Que a Pixar seja capaz de abrir genuinamente espaço para a diversidade, para vozes que apontem para um caminho ainda mais magistral, com filmes que encantam pela técnica e pelo storytelling complexo, que se conecta profundamente com audiências de várias faixas etárias.
Um Grande Momento:
A despedida.
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