Em 2011 começou a se desenhar uma mudança de paradigma em filmes que têm como tema central as despedidas de solteiro. O longa Missão Madrinha de Casamento, após uma predominância masculina na temática, voltava suas atenções para mulheres. Dirigido por Paul Feig e lançado quando debates de gênero ainda eram tímidos, o filme protagonizado por Kristen Wiig, ainda vinha carregado de pré-definições atinentes ao universo feminino: a necessidade de encontrar um homem para a completude da existência e a disputa entre mulheres. Porém, não deixava de ser um avanço.
De lá pra cá, ainda que timidamente, o tema foi abordado de maneira diferente, mas igualmente voltada às mulheres, como no dominicano ainda bem machista Todas las mujeres son iguales, dirigido por David Maler. Antes dele, porém, a inversão de perspectiva acontece com o movimento que começou a cobrar uma representatividade/representação efetiva das mulheres no cinema e com as próprias falando de si. Em 2015 é lançado o alemão Das Floß!, de Julia C. Kaiser e, dois anos depois, três filmes bem focados em despedidas de solteiras: The Feels, de Jenée LaMarque; Quatro Amigas e um Casamento, de Leslye Headland, e este A Noite É Delas, de Lucia Aniello.
Se todos os filmes enquanto obras buscam ainda um equilíbrio, é impossível não perceber a diferença na aproximação e abordagem do universo explorado. Seja na construção de cenas, na atenção às personagens, no sentimento de unicidade ou no próprio conceito por trás da obra. É exatamente isso que se vê em A Noite É Delas, um filme que vai buscar na inversão de papéis a quebra de uma condição estabelecida – e bastante consolidada – por uma sociedade patriarcal, que ainda determina o que as mulheres podem ou não fazer.
O longa, que segue assim até o final, já começa transmutando uma ambiente bastante masculino: uma festa de irmandade, em um jogo de beer pong. Diferente do que sempre se viu – e ainda se vê – na comédia, não são mulheres que se embriagam e, de alguma maneira, são exposta a situações esdrúxulas e ao ridículo por isso. Sim, elas estão embriagadas, mas marcando seu espaço naquele local.
Ainda restam no roteiro, escrito pela própria Aniello em parceria com Paul W. Downs, resquícios de determinações negativas, afinal, eles estão em todas nós, mas é um filme que está o tempo todo fazendo com que lugares sejam explicitamente ocupados, seja em relação à postura, objetivos profissionais ou sexualidade. A história das três amigas que acompanham Jess em sua despedida de solteira, um final de semana sem limites em Miami, é cheia de afirmações de tipo e de independência.
Há exemplos por todo lado, como na própria relação entre Jess e seu noivo Peter (interpretado pelo roteirista Downs). Alguns chegam de maneira sutil e mais efetiva, como quando ela chega em casa depois de um dia de trabalho, ou exagerada e provocadora, como quando compara as duas despedidas de solteiro. As ações das amigas também demonstram essa ruptura, com uma liberdade que as possibilita fazerm o que bem entendem, na hora que bem entendem, seja isso seguir também profissões clássicas, como a de professora, ou aquelas onde o machismo impera, como a política.
O mesmo serve para aquela ativista que decidiu não trabalhar dentro do sistema ou da esnobe que briga pela guarda do filho. São detalhes que parecem bobos, mas abarcam várias realidades que reafirmam a possibilidade de criar espaços e ocupá-los, algo que contraria – e muito – aquela imagem de submissão de antigamente, mas que está sempre querendo ser resgatada pelos reacionários.
Ainda que A Noite É Delas não tenha nenhuma intenção de ser algo além de um passatempo divertido, que dá ao humor doses de thriller ao apostar em reviravoltas nonsense, há um levantar de bandeira válido e a mesma afirmação, dessa vez pela diretora, que conta como quer a sua história.
Alguns elementos sobram e poderiam não ter sido incluídos na montagem final, é o caso do casal de vizinhos vivido por Ty Burrell e Demi Moore, mas há uma química inegável entre as cinco amigas vividas por Johnson, Jillian Bell, Zoë Kravitz, Ilana Glazer e Kate McKinnon, além de que é muito bom ver que agora, sim, existe uma representação da mulher que não tem nada a ver com homens e seus desejos. Ainda tem o que melhorar, mas é um bom começo de caminho.
Um Grande Momento:
Na garagem.
A Noite É Delas