- Gênero: Drama
- Direção: Sandra Wollner
- Roteiro: Roderick Warich, Sandra Wollner
- Elenco: Lena Watson, Dominik Warta, Ingrid Burkhard, Jana McKinnon, Simon Hatzl
- Duração: 94 minutos
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Os fins justificam os meios? Por mais difundida que seja essa máxima, dificilmente na arte ela se sustenta. Tomemos o cinema, uma expressão com alto poder de alcance, difusão e sugestão. Os fins, como apregoava Mahatma Gandhi, estão nos meios. A ética da intenção na ação está perfeitamente exemplificada no filme que poderia ser O Problema de Nascer. Premiado na Berlinale e sendo exibido na 44ª Mostra de São Paulo, é escrito e roteirizado (em parceria com Roderick Warich) pela jovem cineasta Sandra Wollner. E desde fevereiro vem sendo debatido fervorosamente por críticos e espectadores: afinal, é um filme que cosmetiza a pedofilia?
A polêmica já esteve no centro do debate sobre outro filme recente, o Lindinhas, distribuído pela Netflix. Mas existem diferenças abissais de abordagem e estrutura narrativa aqui. filme francês é solar e lida com as escuridões de uma maneira um pouco difusa e controversa, sim, mas é possível perceber a intencionalidade da cineasta em expor o sintagma da hipersexualização infantil.
Em uma produção futurística, com uma ambiência acinzentada, pesada, sombria e ao mesmo tempo amorfa (sem vida), O Problema de Nascer é uma fábula sobre Elli, uma lolita ciborgue que é um fantoche para adultos conturbados. A principal presença na existência da menina artificial é o pai, um homem na faixa dos 40 anos que a tem como substituta da filha que misteriosamente desapareceu.
Colidindo a realidade presente da ciborgue com os fluxos das memórias repletas por pesadelos do pai, a cineasta vai construindo paulatinamente a incômoda conexão entre o casal central, já que entre os olhares e suspiros fica aparente a relação sexual que se desenvolve entre o humano e seu brinquedo. Como o menino robô David, que só sabia amar a mãe em Inteligência Artificial, o vínculo entre os dois vai se configurando até meados do segundo ato na principal tônica da história, com cenas muitas vezes grotescas.
O problema é que Elli, sendo um objeto que serve apenas para a pulsão doentia do seu dono, não tem consciência do que ocorre mas desenvolve a inteligência para corresponder as carícias. É perturbadora a maneira como a criatura robótica, quando perdida na floresta, encontrada por outras pessoas, quer reproduzir o mesmo comportamento fetichizado com uma pobre senhora. Agora um menino, ela busca alguém que a toque ou cheire a “cigarro e suor”. Indigesto é pouco.
E é aquilo: o ponto foi compreendido, a diretora de O Problema de Nascer buscou por meio da fábula assimoviana falar sobre como a natureza humana lida com perdas e perversões mas teria sido o meio, a construção narrativa e a maneira de abordar a história a mais acertada? Faltaria boas doses de coerência discursiva e consistência cinematográfica, pois o ritmo do último ato é terrivelmente ruim, levando a um desfecho óbvio e preguiçoso.
E dentre tantos representantes na ficção científica que souberam explorar, sem a gratuidade da insistência em objetificar o corpo infantil, as complexidades humanas confrontadas pela máquina (Ex-Machina, Lunar, 2001, Aniquilação e Blade Runner, por exemplo), Wollner poderia ter se detido na premissa e refletido se renderia um filme
Um grande momento
“Eu estava lembrando quando mergulhei”