Crítica | Streaming e VoD

Destemida

Mais 'show' que 'reality'

(Jak zostac gwiazda, POL, 2020)

  • Gênero: Drama
  • Direção: Anna Wieczur-Bluszcz
  • Roteiro: Piotr Jasek, Julia Kaminska, Wojciech Nerkowski
  • Elenco: Katarzyna Sawczuk, Anita Sokolowska, Maciej Zakoscielny, Julia Kaminska, Tomasz Karolak, Adrian Majewski, Maria Pakulnis, Michal Piprowski, Barbara Wypych, Urszula Dudziak, Krzysztof Ibisz, Sonia Bohosiewicz
  • Duração: 118 minutos
  • Nota:

Comédias românticas ou dramáticas envolvendo concursos de canto ou dança (ou canto e dança) definitivamente são um filão para a Netflix, que busca um público teen em projetos de consumo rasteiro, que entretém durante o tempo de duração, e são esquecidos nas horas seguintes ao término. A divisão polonesa do canal adquiriu para distribuição Destemida, modesto em suas intenções de arregimentar público fiel porém fácil de agradar, vide o sucesso de Dançarina Imperfeita, Feel the Beat e Festival Eurovision da Canção; na verdade não apenas seu sucesso, mas a confirmação de que há uma demanda por esses produtos.

Apesar da encenação padrão, o filme esbanja carisma e material sedutor pra conectar o público. Partindo da realização de um reality show fictício musical (que seria uma versão ainda mais “grosseira” que o de um America’s got Talent, inclusive com um protagonista que é uma versão de Simon Cowell), Destemida alcança fácil seu objetivo, com tanta efusividade imagética e alguma opulência na sua atmosfera, mas se apurarmos melhor o olhar, fica fácil perceber que o longa de Anna Wieczur-Bluszcz se depara com obstáculos no caminho e trata de fingir que os mesmos não existem.

Destemida, novo título polonês da Netflix

São questões narrativas que nunca são abordadas (embora devessem), ou situações e personagens varridos para debaixo do tapete, quase como uma telenovela costuma fazer em sua duração. A diferença é que uma novela é uma obra aberta que geralmente ocupa um mínimo de seis meses no ar, quando personagens crescem ou diminuem dependendo de sua aceitação. Em Destemida, personagens que parecem promissores e com conflitos prestes a serem desenvolvidos, e simplesmente não acontecem, ao contrário do que o roteiro apresenta – como a mãe da protagonista ser professora de sua escola, ou do pretendente da mesma, que tenta a todo custo vencer sua timidez, e é esquecido pela narrativa; pra quê foi desenvolvido?

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Mesmo o concurso, que é a espinha dorsal da narrativa, não é fortalecido por roteiro ou direção, mesmo que esteja nele o totem da protagonista. Até o clímax, só dois concorrentes são vistos em cena (a protagonista e um arrivista que se aproxima dela), e em qualquer produção que se dedique a um concurso, ao menos de pano de fundo a competição é flagrada. Aqui, o tal concurso é apenas um motivo da reunião daqueles personagens, e que se desenvolve sem qualquer cuidado pelo filme, que acaba enfraquecendo o próprio. Com isso, a disputa perde qualquer valor e o filme se resume a protagonista repetir os erros do pai, mesmo desprezando-o. Só que isso também não é tematizado a contento.

Destemida, novo título polonês da Netflix

O afunilamento de intenções vai fazendo os personagens perderem camadas e em determinado momento tudo parece raso e descompromissado demais, até para o gênero e suas intenções. Os vilões soam desmotivados e com soluções nada críveis, e os conflitos dos mocinhos nunca soam verdadeiros. Tudo isso porque o filme parece perdido ao escolher o que desenvolver, dando espaço demais a uma jurada deslumbrada e tirando nuance do rapaz apaixonado por Marta, que parece vagar pelo fundo das cenas por muito tempo, sem uma explicação lógica além de gostar da mesma, por exemplo; soa descuidado.

No quesito entretenimento vazio, no entanto, Destemida é uma excelente pedida, tanto para conhecermos parte da Polônia menos explorada, quanto para observarmos que mesmo países com aparência sisuda não se livraram de fenômenos pop, como reality shows musicais. Com um elenco bem entrosado e espontâneo no geral, o filme cumpre o seu papel se não colocarmos uma lente de aumento na sua direção, e permanecermos sem nos preocupar com suas entrelinhas. Do alto, o filme é uma diversão inofensiva e sem contra indicações.

Um grande momento
“Chandelier”

Ver “Destemida” na Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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