Crítica | Streaming e VoD

Feel the Beat

(Feel the Beat, EUA, )

  • Gênero: Comédia
  • Direção: Elissa Down
  • Roteiro: Michael Armbruster, Shawn Ku
  • Elenco: Sofia Carson, Enrico Colantoni, Wolfgang Novogratz, Marissa Jaret Winokur, Dennis Andres, Johanna Colón, Donna Lynne Champlin, Brandon Kyle Goodman, Rex Lee, Marcia Bennett, Lidya Jewett, Drew Davis
  • Duração: 97 minutos
  • Nota:

Ah, a má vontade… ela move montanhas. Um espectador imbuído da mais profunda má vontade é como uma tela em branco, pronta para ser afetada com qualquer movimento. Tanto clichê e metáfora cretina pra abrir o texto de Feel the Beat, o filme que nenhum adulto aparentemente deveria assistir. Porém, a estreia de ontem da Netflix foi tão bem sucedida em sua audiência que podemos imaginar que não foi apenas seu público-alvo que se dobrou a ele. Ao assistir o filme e encontrar os valores contidos em sua narrativa que saem da predominância hollywoodiana, um alívio nos acomete quanto ao frescor do produto.

Atraídos pela protagonista Sofia Carson (a Evie da série da Disney Descendentes), crianças e adolescentes encontraram a enésima parábola sobre o filho pródigo e aquela possível mensagem pra lá de batida ‘o dinheiro não trás felicidade’ (no lugar de dinheiro, podemos encaixar luxo, poder, fama e qualquer outra dessas coisas inatingíveis e não-palpáveis vendidas pelo “American Dream”). Ainda que cada cena do filme siga uma espécie de protocolo esperado, exatamente dentro da forma de bolo padrão, há uma ameaça sedutora pairando nas sombras da produção: adoráveis crianças ligeiramente desajustadas – ainda que o conceito de desajuste não necessariamente se aplique a crianças. 

Feel the Beat (2020)

Em resumo, são crianças “fora do padrão” de perfeição anglo-saxão: meninas bailarinas fora do peso para tal, uma deficiente auditiva, uma oriental, uma menina negra com problemas domésticos, que precisarão ser treinadas para um concurso nacional de dança treinados pela arrogante e ambiciosa protagonista que almeja a Broadway mas que recentemente caiu em desgraça na cena nova-iorquina. Lógico que as meninas cujo único talento é ser um balde de fofura e carisma se tornarão um fenômeno, e mais lógico ainda que April ganhará um banho de humildade e encontrará um caminho renovado de reencontro com o próprio passado. 

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Ainda que seja um produto construído em cima de profunda manipulação de seu público, com momentos engraçados, redentores e de elevação que o roteiro nem tenta esconder as intenções, a diretora Elissa Down (cujo título mais relevante da filmografia é um drama teen, Sei que Vou te Amar) consegue realizar seus intentos de divertir e emocionar de maneira genuína, ainda que as chaves para tal sejam as apelativas de sempre. Mas Feel the Beat entrega ao espectador o que ele estava esperando sem traí-lo. Muitas vezes, o público só precisa da honestidade do seu produto, e o filme se compromete com essa certeza de entreter sem enganar. 

Feel the Beat (2020)

Ainda que falte ao roteiro de Michael Armbruster e Shawn Ku (responsáveis pelo belo Tarde Demais – um filme que é tudo que Precisamos Falar Sobre Kevin nunca consegue ser) algo tão delicioso quanto aprofundamento familiar das crianças que são o centro das atenções, há algo que Feel the Beat faz que não tem preço: o processo de inclusão pela dança, que passa muito por um olhar livre de julgamentos e preconceitos, principalmente de gênero.

O pequeno e multitalentoso Justin Caruso Allan interpreta o filho do treinador da escola local, que em nenhum momento demonstra nenhum mínimo receio em ver seu filho em uma competição que é 90% feminina – e nada disso é verbalizado no filme, ou seja, há uma naturalização muito carinhosa a respeito dos lugares de meninos e meninas na sociedade hoje. 

Feel the Beat (2020)

O casal romântico jovem vivido por Sofia e Wolfgang Novogratz (ele praticamente é um contratado Netflix, também está em Você não Imagina e Sierra Burger é uma Loser) vende credibilidade sem jamais impor espaço em uma história que não necessariamente está vendendo isso, mas ainda assim provoca interesse. Acima de tudo, no entanto, Feel the Beat não comete a besteira que a imensa maioria dos filmes de Hollywood propaga: não, não precisamos abrir mão de nossos sonhos para sermos alguém melhor. Não, não precisamos evoluir através das perdas, somente. Não, voltar atrás não significa crescimento emocional e evolução espiritual. Nossos sonhos estão aí para ser alcançados e a humildade é um valor que jamais devemos perder, e essas coisas não devem ser excludentes. 

É brega no papel? É. Mas faz um bem danado que o cinema padrão americano não queira vender sempre os mesmos valores padrões americanos. E quem disse que, às vezes, não podemos ter tudo? 

Um Grande Momento:
A primeira entrada no palco de Dicky .

Trailer

Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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