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Hannah Arendt: Ideias Que Chocaram o Mundo

(Hannah Arendt, ALE/LUX/FRA/ISR, 2046)

  • Gênero: Drama
  • Direção: Margarethe von Trotta
  • Roteiro: Pamela Katz, Margarethe von Trotta
  • Elenco: Barbara Sukowa, Janet McTeer, Julia Jentsch, Axel Milberg, Megan Gay, Nicholas Woodeson, Tom Leick, Ulrich Noethen, Harvey Friedman, Friederike Becht
  • Duração: 113 minutos
  • Nota:

Ao estudar a origem, formação e o colapso de projetos nacionalistas a filósofa judia teuto-americana Hannah Arendt concluiu que as experiências totalitárias não são fruto da megalomania de homens autoritários mas sim de projetos de poder imperialistas. 

A missão de representar um segmento da vida de uma intelectual tão controversa coube a uma conterrânea de Arendt, a cineasta alemã Margarethe Von Trotta. Com títulos expressivos em sua filmografia, densamente debruçada em temáticas políticas como As Mulheres de Rosenstrasse e Anos de Chumbo, ela não alivia quando biografa a filósofa, hoje largamente criticada por ser referenciada por supremacistas brancos por escritos acadêmicos como “Reflexos Sobre Little Rock”, onde arbitra favoravelmente acerca da segregação racial.

Barbara Sukova e Janet McTeer em Hannah Arendt: Ideias Que Chocaram o Mundo

Von Trotta se detém nos últimos anos de Arendt, já professora estabelecida nos EUA e bem aceita mas atormentada pelos demônios do passado e do presente. A relação apaixonada com o intelectual nazista Heidegger está posta, inclusive as ideias nacionalistas deflagram o antissemitismo da própria. Seja por essas relações condenáveis ou por colocar no mesmo balaio da banalidade do mal Hitler e Stalin (provocando grande confusão até os dias de hoje e fortalecendo aqueles que defendem o “nazismo de esquerda”), a cineasta alemã vai expondo as debilidades da mulher, humanamente falha por mais que dotada de uma inteligência loquaz. 

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Barbara Sukowa mais uma vez mimetiza uma personalidade histórica e fornece uma performance empolgante de Arendt em especial nas cenas onde está discursa – a exemplo do que já havia feito na pele de Rosa de Luxemburgo, em filme também realizado por Von Trotta -, como quando se defende perante seus alunos e colegas algozes após a publicação das reportagens onde aborda o julgamento de um carrasco nazista sob a ótica da suposta colaboração da elite judaica com os horrores perpetrados contra o próprio povo. O filme se detém bastante nesse fato, que depois originaria o livro “Eichmann em Jerusalém”, rendendo anos de inimizade entre Arendt e a comunidade, mas que hoje está apaziguada. 

Barbara Sukowa em Hannah Arendt: Ideias Que Chocaram o Mundo

Com sua estrutura episódica intercalada por alguns poucos flashbacks da jovem Hannah na Alemanha da década de 20, seria este filme um retrato fiel de sua biografada? Talvez o seja mas isso nem está em questão. O que o faz sobressair à maioria dos filmes desse subgênero e que é parte da marca de Von Trotta é o discurso crítico e desapaixonado que ela emprega quando retrata figuras históricas e políticas.

Ela é bem sucedida nesse intento seja mostrando o radicalismo em algumas posturas irascíveis de Rosa de Luxemburgo ou o proselitismo de Arendt que, ao não se expressar como o Fascismo (ou as experiências totalitárias), se articula com setores capitalistas e burgueses  revestindo a ideologia num discurso de superação dos conflitos de classe em prol de uma unidade nacional.

Barbara Sukova em Hannah Arendt: Ideias Que Chocaram o Mundo

O filme engaja por orbitar entre a capacidade de Arendt defender suas ideias menos e mais favoráveis, alternando entre cenas introspectivas em que ela se encontra isolada ou escrevendo, rememorando os ensinamentos de Heidegger ou se ressentido do fato de ter sido obrigada a abandonar a Alemanha e/ou ter sobrevivido ao Holocausto por sua capacidade de camuflar a origem; com cenas onde expõe ideias libertárias e ilustra a inegável opressão que sobrevive nos regimes democráticos neoliberais. 

Ver o filme, ler as obras de Hannah Arendt e as críticas que autores fazem ao pensamento dela é um exercício valioso. Quem dera que todas as cinebiografias fossem tão argutas e necessárias quanto esta, deixando o público montar por si só o quebra cabeças que forma uma representação de determinada personagem, com todas as virtudes e vícios contidos. 

Um grande momento
A defesa de Eichmann no encontro após o retorno de Jerusalém

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Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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