- Gênero: Terror
- Direção: Anna Biller
- Roteiro: Anna Biller
- Elenco: Samantha Robinson, Gian Keys, Laura Waddell, Jeffrey Vincent Parise, Jared Sanford, Robert Seeley,Jennifer Ingrum, Randy Evans, Clive Ashborn, Lily Holleman, Jennifer Couch, Stephen Wozniak
- Duração: 120 minutos
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A Bruxa do Amor, longa de Anna Biller, conta a história da bruxa Elaine Parks (Samantha Robinson), que se muda depois de ficar viúva de Jerry (Stephen Wozniak), seu tão amado marido. Infelizmente, apesar de todos os esforços da esposa, aparentemente ele nunca a amou tanto quanto ela gostaria e a deixou carente da figura masculina e do tão buscado amor, razão pela qual a jovem emplaca em sua nova cidade a busca por seu príncipe encantado.
O figurino e os cenários do filme, muito bem planejados, evidenciam o cuidado de manter a estética fiel àquela apresentada em filmes e séries passados nos anos 60, quando as mulheres eram ensinadas por Samantha (Elizabeth Montgomery), a Feiticeira, a gerenciar seus poderes para, a um só tempo, satisfazerem seus maridos e não deixar de lado seus dons naturais, afinal, o marido era o homem da casa e, portanto, deveria ser o detentor da última palavra, mas era sempre a mulher que, no final das contas, com seus poderes, resolvia todos os problemas.
Seria ok manter o enredo da mulher dona de casa, que faz tudo para satisfazer seu marido, se realmente voltássemos no tempo, não apenas no figurino, mas também no desenvolvimento social e, principalmente, dos direitos das mulheres. Contudo, ao pensar em um longa escrito nos anos 2000, já não cabe mais esse tipo de pensamento misógino e retrógrado e é aí que entra a jogada de Anna Biller.
A diretora faz críticas pontuais e suaves ao modelo patriarcal e, principalmente, às lições da sociedade machista no sentido de que a mulher serve somente para garantir o prazer sexual dos homens e amá-los incondicionalmente, enquanto esses, brutamontes por natureza, seriam inaptos a amar e se entregar.
A primeira crítica vem na conversa de Trish (Laura Waddell) com Elaine, quando a designer de interiores comenta com a bruxa que a busca pelo príncipe encantado não pode anular as vontades da mulher. Muito pelo contrário, explica: o homem deve amar uma mulher pelo o que ela é, e respeitar suas vontades e seu espaço, devendo a relação amorosa ser benéfica para ambos os lados, e não consistir em uma relação unilateral, onde a mulher apenas se importe com o bem-estar do homem, anulando por completo seus desejos e sonhos.
Esse tipo de discurso, apresentado por Trish, evidencia uma ruptura do padrão de pensamento dominante dos anos 60 e traz à tona, justamente, um dos temas levados a debate à época, acerca da possibilidade de a mulher casada estar ou não acompanhada de seu marido e, independentemente de ele estar presente, ser considerada um sujeito de direitos e, mais do que isso, acerca da possibilidade de a mulher casada dizer “não” ao seu marido quando ele desejava consumar relações sexuais.
Não é demais lembrar que graças ao patriarcado e ao modelo machista de sociedade, as mulheres que não se casavam, assim como as divorciadas, eram consideradas inferiores às casadas e/ou virgens, além disso, mulheres casadas não tinham o direito de recusar-se a ter relações com seus maridos, o que endossava, legalmente, o estupro marital (hoje já considerado crime).
Se, por um lado, a bruxa Elaine, vítima da sociedade patriarcal, diz que está tudo bem abrir mão de todos os seus direitos e de suas vontades, enquanto mulher, para encontrar o homem ideal, está nas falas de Trish a primeira crítica pontual ao machismo estrutural.
A seguir, Anna Bille brinca com a questão do machismo estrutural quando coloca os homens como vítimas da bruxa do amor: exige-se, socialmente, um comportamento específico de uma mulher para que um homem possa, verdadeiramente, amá-la, mas quando surge essa mulher, que segue todos esses padrões machistas de comportamento e beleza, os homens morrem de amor — literalmente –, afinal, passaram uma vida inteira sem saber como amar e, uma vez sentindo o mais puro e genuíno amor, eles enlouquecem.
Foi doloroso, por minha parte, de assistir a A Bruxa do Amor por inteiro, pois a necessidade de a diretora deixar claro que a protagonista se encaixava em normas patriarcais, tendo o corpo perfeito, o rosto perfeito, o tom de voz perfeito, o sexo perfeito, e a entrega perfeita, aos olhos do machismo, causam absoluto desconforto naquelas que passam tantos anos lutando contra o padrão de pensamento e comportamento machista.
Ademais, é preciso destacar que incomoda o fato de saber que nem todas as pessoas conseguirão compreender a mensagem feminista discreta, presente no espírito do filme.
Olhando de forma rasa, o filme é só mais uma história da bela bruxa que faz homens morrerem de amor, o que reforça o estereótipo da objetificação da mulher atrelada à inabilidade do homem de amar, a qual só deixaria de existir se ele fosse enfeitiçado, e essa leitura rasa pode acabar alcançando um público maior do que a crítica feminista.
Outro ponto importante de destacar é que a única personagem que aparenta ter ideais feministas, Trish, acaba tendo uma desilusão amorosa, e em meio a um surto de tristeza, decide se maquiar e se vestir como sua amiga bruxa, o que pode, mais uma vez, reforçar a interpretação machista, que já é amplamente disseminada, no sentido de que é mais fácil uma feminista sofrer sem amor, do que uma mulher machista.
Conhecedora da sociedade machista que nos cerca, seria até utópico imaginar que todos teriam a leitura crítica e feminista que A Bruxa do Amor realmente busca fazer. Talvez, se a intenção era realmente criticar o patriarcado, Anna Bille deveria ter investido em uma fórmula mais direta, e com menos indícios de violências sexuais ao longo do filme.
Vale a menção nesse texto à trilha sonora, que se mantém fiel ao contexto histórico da trama, com músicas que tem o seu quê de místico e misterioso, sendo em absoluto compatíveis com o misticismo das magias das bruxas, ao serem tocadas por harpas e vozes doces.
Um grande momento
Wayne morrendo de amor.