- Gênero: Fantasia
- Direção: Just Philippot
- Roteiro: Jérôme Genevray, Franck Victor
- Elenco: Suliane Brahim, Sofian Khammes, Marie Narbonne, Raphael Romand, Victor Bonnel, Christian Bouillette, Renan Prévot, Vincent Deniard
- Duração: 101 minutos
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O conceito de body horror foi assimilado pelo cinema francês, expandido e teve seu auge há 20 anos, quando cineastas como Alexandre Aja e Xavier Gens deram nova roupagem, atraíram novo público e o agregaram ao new french extremity, que vieram popularizar o gênero nas duas últimas décadas. A estreia da Netflix A Nuvem, quem diria, coloca a plataforma em contato com essa modalidade do terror que costuma não abrandar em sangue ou em transgressão, quando o streaming justamente vem sendo acusado de moldar seus produtos dentro de padrões de higienização e cautela, que aqui vão sendo abandonadas gradativamente.
O cineasta Just Philippot vem do curta-metragem e estreia aqui com segurança de quem já passeia pelo gênero anteriormente, e aqui abraça tanto sua origem quanto sua nacionalidade. O filme dinamiza o tradicional naturalismo do cinema francês, enquanto o artifício típico do horror é realçado pelas possibilidades naturalistas, um aspecto credibilizando o outro. Com isso, o filme adquire uma textura que só as produções francesas costumam ter; o cinema de gênero norte americano geralmente abre mão do trivial em nome da histeria, enquanto na França esse amálgama é realizado com tranquilidade.
Narrativamente, A Nuvem pega atalhos conhecidos por quem acompanha o terror de perto, incluindo desdobramentos que acompanhamos sempre com um adiantamento de alguns minutos de trama. Isso não é um problema grave porque o filme tem essa estrutura de credibilidade para suas ações, graças ao talento do diretor em apresentar o seu argumento. Tudo caminha pelo lugar do bizarro como pede o gênero, mas apesar do esqueleto não ser original, o filme desenvolve seu universo com delicadeza pelo espaço familiar retratado, suas relações construídas com verossimilhança para então adentrar no terror.
Uma curiosidade que poderia ser mais amplamente trabalhada na produção é o acesso que ele abre para a entrada de seus códigos, através do personagem infantil em cena, que não apenas vê o gafanhoto que mantém num viveiro mordiscar seu dedo como oferece o mesmo a ele. Essa situação é a primeira apresentada em detalhes na moldura do body horror e vai num crescendo, só que essa fatia infantil é abandonada, quando poderia ser ela justamente o diferencial da produção. A partir daí, a mãe que precisa salvar a fazendo da família percebe após um acidente a preferência que os animais que cria tem para se alimentar.
O filme lida com pontos básicos de acesso: a chegada da adolescência, o deslocamento que tal idade provoca e o gradual afastamento das figuras paternas, a recessão econômica, a perda de entes queridos que desencadeiam processos de destruição psicológica, tudo isso alocado num microcosmos enxuto formado por uma família recém diminuída, com mãe e dois filhos. Infelizmente várias pontas narrativas ficam incompletas pela produção, principalmente ligadas à personagem de Marie Narbonne (de O Melhor Está por Vir), a filha adolescente, que parece ter sido diminuída na sala de edição.
Na espinha dorsal, Suliane Brahim, premiada no Festival de Sitges pelo desempenho, demonstra segurança e entrega impressionantes, além de uma semelhança assustadora com Charlotte Gainsbourg. É de sua responsabilidade o sucesso de A Nuvem, e ela corresponde por grande parte dos méritos do filme, em sua capacidade de mover o público a adentrar sua atmosfera cada vez mais desajustada. Com uma personagem difícil de simpatizar, é no corpo dela que está a grande parte do conceito de horror que o filme constrói em imagens perturbadoras, que garantem ao filme uma dose suficiente de interesse e impacto, típicos do melhor desse cinema em questão.
Um grande momento
A descoberta de Laura