- Gênero: Documentário
- Direção: Rian Córdova, Leonardo Menezes
- Roteiro: Rian Córdova
- Duração: 78 minutos
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Os documentaristas Leonardo Menezes e Rian Córdova tem uma proposta e um papel na criação de material cinematográfico e imagético no nosso audiovisual recente, que é criar historicidade pictórica para figuras ainda mais marginalizadas dentro de um universo já tradicionalmente marginal, que é a cena LGBTQIA +. Sua visão não tenta humanizar apenas seus personagens-chave, sua zona de atuação, mas principalmente tocar o espectador não-iniciado ao lugar de origem de seus tipos. Nesse sentido, Luana Muniz: Filha da Lua traduz uma figura que criou para si uma história de bravura e disposição ao enfrentamento inspirador a qualquer público.
A dupla de diretores não tenta tornar didática sua forma de apresentar suas intençĩes, isso é apenas uma visão clara do lugar que eles positivamente almejam para as figuras que retratam. Como seus dois filmes (o anterior, Lorna Washington: Sobrevivendo a Supostas Perdas) partem de um olhar sobre personalidades cujo tanto de história já foi escrito, há uma preocupação genuína de não perder as referências que ambas já possuem, com uma eventual partida. Menezes e Córdova, com isso, ainda fornecem precioso serviço de restauração a imagens de artistas com pouca reunião de material, além de apresentá-las a um segmento que necessita de referências, origens e heroínas, o que eventualmente são.
Através do acervo reunido, e com o posterior material captado, cria-se uma amostragem da vida de uma personalidade tão fascinante quanto a de Luana Muniz, sua origem, seu legado e a própria figura, que prescinde de apresentação, porque o faz por si: com muita delicadeza, os cineastas não evitam passagens polêmicas ou sublinham dores possíveis – são até passagens atenuadas, mas não obscurecidas. O que fez Luana ser o que é, é o tanto de antologia agregou a seu próprio caminho. Isso é exibido pela própria e por seus amigos próximos, revelando uma intimidade corajosa e ao mesmo tempo ousada para o seu tempo – quantas transexuais sobreviveram à ditadura e se forjaram durante o terror?
Ainda que a maneira de tratar seu material até possa ser acusada por sua convencionalidade, Luana Muniz: Filha da Lua utiliza do primordial do documentário para exalar a força do palco que abriga tantas personagens. Ao não relegar a existência de suas vozes à uma marginalidade que lhes retire o humano (mas também o profano), Menezes e Córdova seguem seu mapeamento de uma zona de observação diminuída dentro da própria comunidade. Luana, que precisou resvalar na prostituição em determinado momento até provar que “travesti não é bagunça”, foi também discriminada por não ter opção para sobreviver.
Como é dito em determinado momento: se as putas e as atrizes foram identificadas em áreas comuns em determinado momento da história, então que sejam todas consideradas como as artistas que são. Em sua capacidade infinita de criar, cuidar e amparar, reconstruir a realidade através da arte que lhes foi outorgada, Luana Muniz fez pelo semelhante algo que o Estado raramente cogita fazer, daí sua dimensão também política – enfim, um ser humano de fato merecedor de um lugar de discussão e lembrança.
Através da relação que os diretores acompanham, entre Luana e Lorna, os depoimentos de Alcione, Rosa Maria Colin, Padre Fábio de Melo, e tantos outros, a narrativa vai até a protagonista para além do captado pela lente. É Luana Muniz: Filha da Lua dizendo que o segmento transexual, que recebe menos dedicação às causas queer que qualquer outro segmento, merece oralidade, merece que sua história e a de seus fundadores seja fincada no eterno. A experiência e o contato de artistas como Luis Lobianco reforçam que o imaginário em torno da protagonista precisa ser tratado de maneira documental, e não apenas no campo da lenda. Que o futuro seja justo com Luana e seus pares.
Um grande momento
Luana e o padre