- Gênero: Drama
- Direção: Daniel Belmonte
- Roteiro: Daniel Belmonte
- Elenco: Daniel Belmonte, Otávio Müller, Cris Larin, George Sauma, Eduardo
- Duração: 72 minutos
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Um dos primeiros pensamentos que ocorrem durante a exibição de um filme durante uma competição de um festival de cinema é: “qual a função dessa participação, dessa curadoria?”, é inevitável enquanto crítico esse tipo de indagação nesse lugar que eu ocupo. Na frente de um filme como Álbum em Família esse questionamento é mais forte porque se trata de um projeto de risco em todos os sentidos, e essa análise precisa ser feita à luz dessa seleção, da interrogação formada por essa estranheza, que eu acho particularmente prazerosa com seu risco calculado e impresso em tela. Quem disse que um filme de textura leve não pode ser considerado arriscado?
Aos 26 anos, Daniel Belmonte deve ser um dos mais jovens cineastas a competir na seleção principal do Festival de Gramado, e isso representa uma renovação da autoralidade no nosso cinema, como também uma aposta alta de um dos mais tradicionais festivais do país na direção da comédia, e mais do que isso, uma subversão de alguém que já é subversivo de berço. Há uma coragem em se propor a questionar um gênio da dramaturgia como Nelson Rodrigues, tantas vezes já reverenciado e montado – o que inclui uma citação explícita da última grande realização envolvendo o autor, o O Beijo no Asfalto‘ de Murilo Benício; aqui, a revisitação atinge um elo além.
Em tempos pandêmicos, como ensaiar, montar e filmar uma produção, seja Nelson ou qualquer outra coisa, é uma empreitada que o filme não só empreende como satiriza, com o cuidado e a delicadeza que uma obra como a ousada Álbum de Família merece ter. Belmonte, com experiência como ator (inclusive arriscando protagonizar o próprio filme), está aqui em uma segunda incursão atrás das câmeras – o anterior, B.O., já chegou ao circuito – onde, como seu personagem e alter ego, não tem medo de devassar Nelson, que se convidava à picardia; o jovem autor então decide ir até todas as feridas que o dramaturgo abriu em sua carreira e explicitar seus conflitos.
Em todo projeto de risco máximo como aqui, coisas funcionam e surpreendem, e outras deixam clara a mensagem que passa Otávio Müller durante o longa, “não se mexe em um clássico”. Utilizando a máxima que percorreu os projetos pandêmicos, Belmonte construiu seu jogo tendo o zoom como ferramenta e balizador. Por incrível que pareça, apenas um ano de utilização da ferramenta como jogo cênico e o cansaço já começa a se fazer presente. Então, o que precisamos repassar é o seu entorno e a produção longe da ferramenta, e aí entra o trabalho de Belmonte com mais força, sua intromissão em uma obra tão icônica, e que ainda assim suscita todos os debates junto às polêmicas tão frequentes em torna do tempo de Nelson e do que refletia em sua obra.
O filme tende a debater o machismo e o racismo não apenas na peça em questão, mas no tempo onde ela foi escrita, e no nosso tempo. Através de Kelson Succi e Dhara Lopes, esse olhar crítico é bem-vindo a Nelson, porque como diz a atriz Cris Larin em cena, toda obra precisa ser analisada à luz da realidade e da sociedade em que é montada. Assim sendo, podemos então revelar o que está no olhar de um provocador como Nelson e dos preconceitos sob a qual ele vivia imerso, sendo ele homem de seu tempo e também analista do mesmo. Esse é um avanço de discussão, o atraso está em não prolongar o debate, e só colocá-la sobre a mesa, exatamente o oposto do que fez Benício em sua incursão.
É um lugar de análise delicado, porque Álbum em Família tem cenas muito elaboradas e bem sucedidas, diria excelentes mesmo, e não são apenas duas, mas eu poderia citar o momento onde Valentina Herszage e Ravel Andrade brilham intensamente representando Heloisa e Dona Senhorinha, e… bom, como falar sem revelar?, bom, a morte de Glória, essa no limiar do genial. Em um filme onde os acertos são tão evidentes quanto os incômodos com sua linguagem já ultrapassada e uma leveza excessiva, vale muito o empenho de Belmonte em colocar visão tão carinhosa, terna e empática sobre o nosso tempo, sem deixar de refletir o tempo da sua própria cabeça fervilhante.
Um grande momento
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