- Gênero: Drama
- Direção: Małgorzata Szumowska, Michal Englert
- Roteiro: Michal Englert, Małgorzata Szumowska
- Elenco: Alec Utgoff, Maja Ostaszewska, Agata Kulesza, Weronika Rosati, Katarzyna Figura, Lukasz Simlat
- Duração: 113 minutos
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Que Pier Paolo Pasolini é uma inspiração para muitos cineastas isso é sabido, mas Małgorzata Szumowska e Michal Englert foram beber na fonte direta de Teorema para conceber seu novo longa, a estreia Nunca Mais Nevará, um filme que em tudo remete à obra original do italiano. Sem necessariamente ser uma adaptação, é como se o longa polonês que foi o candidato do país para o último Oscar tivesse mergulhado em um mesmo lago de ideias de onde emergiu o clássico estrelado por Terence Stamp. Com um conteúdo político evidente, o filme se junta a filmografia prévia da polonesa como mais de seus filmes desafiadores tematicamente.
Autora de longas respeitados como O Rebanho e Body, Szumowska assina seu novo filme com seu roteirista habitual, o que significa que a visão de ambos era muito estreita já nos trabalhos anteriores. O que vemos aqui é o desdobramento de ideias e ideais temáticos, que unem uma tendência ao estranhamento com uma visão política da Polônia de hoje, em assuntos de elaboração narrativa na direção do imprevisível. Esse é um código da dupla, se cercar de acontecimentos aparentemente surreais para cercar uma narrativa que se comunica conosco mais do que imaginamos, nossas questões mais intrínsecas.
No rearranjo do jogo que Pasolini propôs, vemos um imigrante ucraniano tomar as rédeas da própria situação na Polônia próxima ao inverno. Por si só, esse argumento prévio já coloca o filme dentro de um rastro observacional, porque Zhenia não apenas tem técnicas de massagem aprimoradas, como uma espécie de poder astral, igualmente adquirido. A presença dessa figura que não precisa da ajuda de estranhos, que consegue criar suas próprias oportunidades já está exposta na abertura, com sua entrada em outro país resolvida pelo próprio. Podemos questionar essa realidade paralela, tendo em vista que nada na vida de um imigrante é resolvido em passes de mágica, o que inclusive também é explicitado nessa mesma abertura.
Essa “lúdica” maneira de criar base à sua fantasia se amplia com a chegada do protagonista a uma espécie de condomínio de mansões idênticas visualmente, mas com interiores que se apartam em idiossincrasias. Seu trânsito entre casas com pinta de xenófobas acontece livremente, graças também a sua aura sedutora, que provoca a aproximação de muitos e a repulsa de outros. Sua liberdade de entrada por locais tão elitizados agrava o conceito fantástico do filme, entrando nessa seara de bizarrices comum a dupla de autores, aqui talvez lidando politicamente com sua atmosfera de maneira sutil, quase sem ancorar esses dados na narrativa de maneira aberta.
A presença de Zhenia, incômoda e sedutora, se enraíza por diversas casas até o ruído resvalar na vida particular do protagonista, que recebe visitas soturnas e parece constantemente vigiado, oprimindo esse estrangeiro e o obrigando a ceder a impulsos que ele reluta na maior parte do tempo. Com um roteiro pouco interessado em responder as questões que propõe, o filme acaba resvalando aqui e ali em certas incoerências por parte de sua construção dramática. Para além de seu apreço pelo inexplicado e pelo surrealismo alicerçado em uma região naturalista, o filme não se amarra de maneira acertada, deixando pontas soltas que mudam o desenho de seus personagens sem aviso prévio.
O ator Alec Utgof (de Stranger Things) contribui para a atmosfera estranha junto com todo o elenco, que conta também com Agata Kulesza (de Ida) – no geral, todo o grupo é elogiável. O que soa deslocado são as decisões de Szumowska e Englert frente ao universo que eles mesmo criaram, como as alusões que permitem o título ao filme. Ainda ecoando o episódio de Chernobyl sem aprofundar esse dado ou mesmo rejuvenesce-lo, Nunca Mais Nevará é um projeto que seus autores apresentam com muita curiosidade, e mais uma vez essa explanação de sua tese parece mais interessada em ser estranha do que necessariamente em apresentar seus propósitos.
Um grande momento
A queda das árvores