Crítica | Outras metragens

Da Janela Vejo o Mundo

(Da Janela Vejo o Mundo, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Ana Catarina Lugarini
  • Roteiro: Ana Catarina Lugarini
  • Elenco: Catarina Lucinda, Jaciara’Rocha, Raiane Rodrigues
  • Duração: 16 minutos

Em “Um Teto Todo Seu”, Virginia Woolf traz uma reflexão na forma de ensaios literários sobre a condição feminina, as opressões sociais e sistemáticas sofridas e como as tentativas de ruptura com o patriarcado influenciam inclusive as escritoras. Para ela, a medida em que a posição que a mulher ocupa na sociedade acarreta dificuldades para a expressão livre de seu pensamento, para que essa expressão seja transformada em uma escrita sem sujeição e, finalmente, para que essa escrita seja recebida com consideração, é preciso desterrar-se do próprio machismo que está enraizado nas mulheres. Fazendo uma comparação com a mulher que busca seu lugar em Da Janela Vejo o Mundo, que integra a seleção de curtas brasileiros em Gramado, é o ato de aterrar e desenterrar que move a construção de uma emancipação da personagem.

Bastante pictórico, o filme da também fotógrafa Ana Catarina Lugarini é minimalista na forma mas profundo na poética de reverberação a partir da repetição dos dias na nova casa habitada pela matriarca (vivida por Catarina Lucinda). Ela chega com poucos móveis, entendendo e estudando o espaço só seu. A filha chega e demonstra apreensão, a neta aparece para ajudar com a conexão da internet. Ela recebe todas e tudo que é situação com uma tranquilidade muito natural. Das caixas de mudança, escorrem gramas e gramas de areia. Na bancada da cozinha, água transborda e goteja no chão. Descalça, ela transita sem estranhar e faz o rito de sentar à mesa, ligar o computador e escovar os cabelos. No outro dia, passa em frente aos espelhos coordenados e olha para cada parte do seu corpo, rosto e se enxerga para além do que está sendo refletido.

“Existe esse vazio, as memórias que são feitas de dores… aí você pega um punhado delas, aperta mas elas ficam ali. Permanecem” – nesse monólogo da personagem, muito do fluxo narrativo e emocional de Da Janela Vejo o Mundo está sacralizado.

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A mudança concreta é interna. O que está em cena expõe a diegese como os pontos que conectam cada traço daquela mulher e sua profunda alteração. Das caixas o conteúdo escorre. A areia se acumula entre as cadeiras, em frente a um dos espelhos. Sedimenta o percurso em direção ao novo vindouro, quando firma os pés na areia que também compõem a matéria daquela mulher que muito viveu e ainda quer viver por si.

No jogo dos espelhos, tão fundamentais para entender a formação da imagem segundo Deleuze mas também para explicitar as nuances da psique e as transformações que atravessam a todos, a personagem espelha suas experiências e se olha de óculos escuros, gracejando para uma nova faceta. O quadro do filme é basicamente uno mas mutável a partir da maneira que a personagem transita pelas areias, relembra e rememora sua vida e seus passos. Da Janela Vejo o Mundo é um exercício perceptivelmente singelo e íntimo, talvez o seja também pelo elenco e equipe predominantemente feminina.

Um grande momento
“Que que tá fazendo aí? Se olha!”

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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