- Gênero: Drama
- Direção: Michael Sarnoski
- Roteiro: Vanessa Block, Michael Sarnoski
- Elenco: Nicolas Cage, Alex Wolff, Adam Arkin, Nina Belforte, Cassandra Violet, Julia Bray, Elijah Ungvary, Beth Harper, Brian Sutherland, David Shaughnessy, Gretchen Corbett
- Duração: 92 minutos
-
Veja online:
Há uns dias, Nicolas Cage estava no podcast Variety’s Awards Circuit falando sobre suas atuações sempre tão intensas, vamos dizer. Lá pelas tantas ele fala que tem horror de ser chamado de ator. A associação de um grande ator a um grande mentiroso é o que o incomoda. “Sob o risco de soar como um cuzão pretencioso, eu gosto da palavra ‘tespiano’, porque tespiano significa que você está indo para o seu coração, você está indo para a sua imaginação, ou suas memórias, ou seus sonhos, e você traz algo de volta para comunicar com a audiência”, disse. O termo, que vem lá de trás e faz referência a Tépis de Ática, considerado o primeiro a interpretar um personagem em uma peça teatral (e tantas outras coisas), é arrogante mesmo, mas faz sentido quando olhamos para a confusa carreira de Cage.
Desde o início, nos anos 1980, com Picardias Estudantis e Sonhos Rebeldes, ele foi um ator (desculpa, mr. Cage), que buscou se aprimorar e isso foi se revelando em seus trabalhos seguintes. O mais interessante é que ele nunca deixou de se divertir e se desafiar, misturava todos os gêneros e sempre aceitou propostas esquisitas de filmes nada relevantes, o que se tornou uma marca nos últimos 15 anos. Até nos piores filmes e nos mais inócuos roteiros, Cage arrumava um jeito, um momentinho que fosse, para se mostrar. Num outro lugar, estão na filmografia atuações mais complexas e completas, como as de Vivendo no Limite, Adaptação, A Outra Face, Despedida em Las Vegas, O Senhor das Armas, Mandy, Ghostland, Joe e agora já podemos também incluir Pig – A Vingança na lista.
O filme, estreia de hoje do Telecine, conta a história de um caçador de trufas ermitão que tenta resgatar sua porca de estimação roubada, o que o faz voltar à cidade. Embora as trufas sejam iguarias especialmente raras e caras e os porcos farejadores, animais específicos para caçá-las, a sinopse é digna dos últimos filmes de Cage. O subtítulo em português leva para o mesmo caminho. Mas o longa de Michael Sarnoski é mais do que isso, mesmo que parta de um roteiro previsível.
Há uma certa sofisticação no modo como o diretor conta sua história, assumindo o tempo do protagonista e alternando intensidades. O modo como sai do silêncio e da contemplação, acompanhando um Rob silencioso em seus afazeres e na não intenção de interação, e chega à violência, que não é a marca de Pig, mas o pontua, é digno de nota. Nesse ponto, Sarnoski, que sofre de um probleminha de incontinência com a trilha, se sai muito bem na distinção do rural e do urbano. No primeiro, deixa ouvir o natural e no segundo, da preparação vai a uma inesperada intervenção de The Flamingos e “I Only Have Eyes For You”.
Há um cuidado na construção do universo onde o filme mergulha após o segundo capítulo, na representação de uma cidade onde o não dito precisa de um escape sangrento e os nomes valem mais do que os sonhos. O filme faz um apanhado de personagens, nem todos tão relevantes ou bem desenvolvidos, que demarcam essa realidade, e busca a oposição do novo e do velho na figura de Amir, vivido por Alex Wolff (Hereditário), o nó no cabo de guerra entre o que viu e o que quer cegar. É ele quem ajuda o caminhar e revela os lados que preferiram se manter ocultos.
Do muito ao pouco, do extremo ao banal, o longa vai se formando nesse resgate e revelação sem ser muito gratuito, dando ao espectador a chance de construir sua própria história, ainda que não consiga manter o mistério quanto à questão principal, talvez a mais evidente do filme. Nada que estrague a experiência, já que tudo está ancorado em um personagem que, por ser inusitado, é interessante demais. Para além dos motivos de sua reclusão, a interação de Rob com todos, a inusual atenção às pessoas e sua relação com o passado estimulam interpretações sobre o viver em sociedade.
E para o deleite dos que amam e desgosto dos que detestam, Nicolas Cage chega com toda a intensidade necessária para transitar entre esses extremos, construindo um Rob que ele busca lá no fundo e se revela em olhares e gestos. Sua figura, que com a ajuda da maquiagem e do figurino vai se mantendo deteriorada ao longo do filme, vai crescendo ganhando luz à medida que a trama avança. Como o longa, ele alterna entre a explosão do contido e a atenção aos detalhes em um trabalho que faz Pig ser muito maior e mais interessante do que seria. Que vá lá no coração, na imaginação, nas memórias e nos sonhos e seja o tespiano que quer, entregando atuações como essa por muitos anos ainda.
Um grande momento
Bye, chef