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Nuovo Olimpo

Rasuras do tempo

(Nuovo Olimpo, ITA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Ferzan Özpetek
  • Roteiro: Ferzan Özpetek, Gianni Romoli
  • Elenco: Damiano Gavino, Andrea Di Luigi, Luisa Ranieri, Alvise Rigo, Greta Scarano, Aurora Giovinazzo, Giancarlo Commare,
  • Duração: 110 minutos

Já em seu terço final, um plano de Nuovo Olimpo deixa cristalino o que já era óbvio, pra mim, desde o início. Um dos seus protagonistas, Enea, passa por um processo cirúrgico e, em recuperação, repousa em um terraço, enquanto é observado pelo outro, Pietro. O quadro não deixa dúvidas que foi extraído diretamente de Fale com Ela, filme emblemático da carreira de Pedro Almodóvar, a clara inspiração para Ferzan Özpetek aqui, e não apenas nessa cena. Talvez tenha sido pretensão do diretor italiano achar que podia realizar seu Dor e Glória particular, mas todas as “cores de Almodóvar” são tão presentes em cena, sua vontade de dialogar com a tragédia do melodrama e seus acasos é tão viva, que ao menos comigo a simpatia pelo projeto acabou chegando fácil. 

Özpetek é um veterano do cinema ‘queer’ turco naturalizado italiano (é difícil acreditar, para quem sua carreira ajudou a observar um gênero, que ele que já vai completar 65 anos), com uma carreira de mais de 25 anos e que nos entregou momentos marcantes como Um Amor quase Perfeito e O Primeiro que Disse. Exatos 10 anos mais novo que sua fonte de inspiração, não sei se ele já estava em tempo de repassar a própria história na tela, mas ele o faz de maneira tão pessoal, que os problemas (mais do que alguns) que o filme apresenta soam quase como parte integrante de um processo longo. Nuovo Olimpo, enquanto título que busca fazer um panorama de quase 50 anos de uma trajetória, se sujeita às falhas habituais de algo com tamanho gigantismo narrativo. 

Esse é o tempo que acompanhamos os protagonistas supracitados, Enea e Pietro. Quando esbarramos com eles pela primeira vez, seu destino profissional já está encaminhado; o primeiro será um dos grandes cineastas italianos do seu tempo, e o segundo um médico cirurgião de igual sucesso. O local que dá título ao filme irá uni-los e também separá-los, e trata-se de um “cinema de pegação” que atravessará décadas indo de uma conjectura a outra, para nutrir os dois personagens de uma paixão em comum, o cinema. Infelizmente, um dos problemas de Nuovo Olimpo é não reproduzir a grandeza de seu palco para a obra, e relegando o local mágico que dá título à obra a um espaço esquecido pelo roteiro, de maneira quase incompreensível; porque então o título do filme é esse?

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Paralelo a isso, a construção estética e técnica do filme parece ajudar à criação de novos ‘poréns’. Não há uma comunicação clara entre tais preocupações, e Nuovo Olimpo segue parecendo criar uma atmosfera dupla, que não conversa entre si e nem consegue ser abrangente para abarcar seus interesses. São cenários que não se concatenam, e servem apenas a cada cena em si, quase de uma maneira descartável de espaço cênico. Não há coesão no que é proposto em parceria com a direção de arte, e o filme flui de maneira truncada em toda a extensão da produção. Se há momentos muito sábios, como todo o terço final, em outras passagens o filme parece vago no que pretende comunicar, através de um padrão cenográfico. 

Não ajuda também que esse mesmo terço final seja situado em 2015 e os mesmos atores estejam em cena desde os 1978 iniciais, ou seja, é necessário um trabalho de maquiagem que, na maior das boas vontades, simplesmente não funciona. Se a ideia era traduzir a memória rumo a personagens e momentos que tinha afeto, Özpetek oferece na imagem pessoas com (aparente) talco nos cabelos e um trabalho de rugas que, bem, não devem nada ao teatro infantil. Em tese, nada disso seria um empecilho para acessar uma obra, mas Nuovo Olimpo quer nos inteirar em memória afetiva e conexão histórica, e isso se torna delicado de conseguir porque os atores não parecem à vontade com o trabalho. 

Ainda que muito tenha sido constatado para atentar contra a produção, a verdade é que, como já dito, Nuovo Olimpo exala sentimento e uma vontade genuína de conseguir ir até o que não pode ser mudado, e perceber a profundidade do tempo. Seu diretor parece ter chegado àquela idade onde a reflexão sobre o que foi feito, e tanto que poderia ter sido e nem chegou a ser, é tão ou mais importante quanto a ação, de fato. Se o cinema também é a arte da imaginação, Özpetek pode não ter sido efetivo na hora de recriar com excelência suas próprias memórias assim como seu provável ídolo, mas o debruçamento e o carinho estão igualmente impressos. A textura disso está lá. 

Um grande momento

O momento de epifania que leva do penúltimo ao último plano

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Marcio Peres
Marcio Peres
02/12/2023 12:28

Realmente vc não captou a beleza do filme.

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