- Gênero: Drama
- Direção: Rodrigo Guardiola, Gabriel Nuncio
- Roteiro: Gabriel Nuncio, Alo Valenzuela
- Elenco: Gabriel Nuncio, Cassandra Ciangherotti, Adriana Paz, Cecilia Suárez
- Duração: 105 minutos
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“É humilhante, cara. Eu tenho mestrado”. Tem algo que sempre me chama a atenção em filmes escritos e dirigidos a quatro mãos. Eles parecem ter um tipo de sagacidade, de ritmo, que só podem ser frutos de discussões entre pessoas que compartilham as angústias e alegrias dessas etapas de um filme, que costumam ser tão solitárias. Tal é o caso de Essa não é uma comédia, estreia da Netflix desta sexta-feira (14/1). Filho dos diretores mexicanos Rodrigo Guardiola e Gabriel Nuncio, que dividiu o roteiro com Alo Valenzuela, o filme é vencedor do Prêmio Mezcal de Melhor Filme Mexicano e Melhor Fotografia no Festival Internacional de Guadalajara de 2021.
Acompanhamos os dias sufocados de Gabriel, um comediante e roteirista falido e sem futuro, interpretado pelo homônimo e também diretor, Gabriel Nuncio. Além de acumular contas vencidas e dever dinheiro a uma porção de amigos, Gabo se vê em um relacionamento um tanto quanto incômodo com Leyre (Cassandra Ciangherotti), uma mulher doce, que está sempre com seu recém-comprado ukulele e que acredita em uma espécie de seita chamada “Confederação Alienígena”, cujos membros almejam a iluminação espiritual através do contato com seres extraterrestres.
Paralelamente às ansiedades profissional-financeiro-amorosas de Gabo, que não são poucas, sua grande amiga Melissa (Adriana Paz), que também passa por problemas amorosos, pede para que o protagonista seja o doador de esperma para que ela engravide via inseminação artificial. Empolgado com a possibilidade de ter um filho, mesmo que apenas através da doação dos gametas, Gabo precisa contornar a absoluta falta de dinheiro, a solidão e sua escassa habilidade de comunicação e introspecção. Mas as coisas não param de desmoronar ao seu redor, e a sensação de impotência e sufoco que Guardiola e Nuncio conseguem transmitir é palpável. “O que não me contaram é que seria muito solitário”, diz Gabo enquanto lê um livro infantil para uma plateia de crianças.
Sempre que perde as chaves de casa, fato que acontece repetidas vezes ao longo do filme, Gabo precisa chamar um chaveiro, que por acaso também é entendedor de feng shui e fluxos energéticos. Essas cenas são boas, e refletem bem as ânsias de um homem trancado para fora de si próprio, perdido em seus desejos. Como se não bastasse, o cara ainda quer fazer um filme. É foda, ele não se ajuda.
Um dos pontos mais altos do longa é o tempo que foi dedicado na construção de cada um dos personagens. Todos eles parecem pessoas reais, com peso, profundidade. Um bom exemplo é Leyre, que à primeira vista tinha tudo para ser uma personagem apenas caricata, unidimensional, mas que no entanto é retratada em diferentes tonalidades. A participação de Tenoch Huerta, interpretando ele mesmo, foi uma ótima surpresa. A fotografia de María Secco é instigante, captura muito bem a sensação de isolamento e a apatia de Gabo. A trilha original também emociona. Essa não é uma comédia é uma obra madura sobre o ato de criar, sobre as angústias geradas pela incomunicabilidade, sobre o desejo de ser abduzido, sobre o que significa chegar em segundo lugar, ou nem sequer chegar. É emocionante, engraçado, bonito. Vale a pena.
Um grande momento
A última conversa com o tio